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«Dentro de dias teremos um Espanha-EUA, em basquetebol, e um Bolt-Tyson Gay, em 100 metros, mas o embate do momento é um Geórgia-Rússia, na modalidade de canhões múltiplos. Ambas as equipa lutam para subir ao pódio da Ossétia do Sul. Lutam, mesmo, porque nesta modalidade olímpica (em todas, aliás, mas aqui mais francamente) o importante é ganhar, não é competir.
«Dentro de dias teremos um Espanha-EUA, em basquetebol, e um Bolt-Tyson Gay, em 100 metros, mas o embate do momento é um Geórgia-Rússia, na modalidade de canhões múltiplos. Ambas as equipa lutam para subir ao pódio da Ossétia do Sul. Lutam, mesmo, porque nesta modalidade olímpica (em todas, aliás, mas aqui mais francamente) o importante é ganhar, não é competir.
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Estes jogos já propiciaram a melhor capa do ano, a do jornal inglês The Guardian, ontem. Duas fotos (em Pequim, o "Ninho de Pássaro" explodindo de fogo-de--artifício e, na Geórgia, um tanque explodindo sem artifício), para um mesmo título na capa: "Dia de Guerra e Paz." Um senão: evoca Tostoi, mas evoca mal. O livro de Tolstoi é longuíssimo, este deve chegar rapidamente à última página. A Geórgia (população: 4,6 milhões) devia ameaçar a Rússia (população: 150 milhões) numa coisa leve, sei lá, em badminton.
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Em canhões múltiplos, parece-me imprudente. Embora eu perceba o piscar de olho cultural. Esses canhões, quando em cima da mesma plataforma, com os seus canos como órgãos de igreja, ficaram célebres desde a Segunda Guerra Mundial com o nome de "órgãos Estaline". Ora José Estaline é um ponto comum entre georgianos e russos. Ele nasceu na Geórgia, em Gori - naquela cidade de onde, ontem, nos chegou a foto da georgiana gorda, ensanguentada, gritando, com um fundo de casas bombardeadas. Mais tarde, Estaline foi para Tblissi, a capital da Geórgia, onde estudou num seminário. A Geórgia e a Rússia são ambas cristãs-ortodoxas. Graças a Deus esta não é uma guerra religiosa.
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Depois, Estaline foi para a Rússia e nunca mais voltou - governou o país (que, então, se chamava URSS) por 30 anos. Seria humor fácil dizer que os actuais combates são por os russos nunca terem perdoado aos georgianos essa oferta: nunca um governante matou tantos russos como Estaline. Mas a verdade é mais relativa. Por um lado, aquele concurso que já por cá passou ("Grandes Portugueses", ganho por Salazar), anda pela Rússia e o provável vencedor será Estaline, o que revela que a impopularidade é relativa. Por outro lado, José Estaline foi um assassino democrático, se matou milhões de russos, matou relativamente mais georgianos.
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Nos Jogos Olímpicos tradicionais, como os de Pequim, a gente aprende o nome de países esquisitos, como Brunei e Tonga, mas pouco mais, os atletas estão afastados da sua terra. Para aprender geografia humana a sério nada melhor que os jogos de guerra. Vamos até lá, às gentes. E aí aprendemos o essencial. No Dr. Jivago (livro e filme, que cito aqui para não fugir muito do contexto geográfico), durante a guerra civil russa (entre brancos, de direita, e vermelhos, de esquerda) pergunta-se a uma mulher que foge da sua aldeia incendiada: "Foram soldados brancos ou vermelhos?" Ela respondeu: "Soldados." Eu, que não sei nenhuma das muitas línguas do Cáucaso, é isso que oiço no grito da tal mulher gorda, com o fundo em chamas. (Diário de Notícias - Ferreira Fernandes)»
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