quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Chapelada eleitoral

O que se pretende é afastar da vereação de 87 % dos municípios portugueses os representantes dos partidos da oposição

Chapelada eleitoral
Antonio Vilarigues

Os deputados da nação eleitos nas listas do PS e do PSD cozinharam, a toque de caixa, os mecanismos que vão permitir nas eleições autárquicas de 2009 uma tremenda chapelada eleitoral. Ao fazê-lo revelam-se "meninos" obedientes de José Sócrates, Luís Filipe Meneses, Alberto Martins, Santana Lopes e tutti quanti. O pretexto é uma mentira esfarrapada, uma descarada aldrabice. A dita falta de "estabilidade governativa" das autarquias. Só que a realidade, essa "chata", aí está para os desmentir sem apelo nem agravo.
-
Desde o 25 de Abril de 1974, realizaram-se em Portugal por nove vezes eleições para as autarquias. Todas com o actual sistema eleitoral. Salvo erro ou omissão, nunca, em 31 anos de poder local democrático, um executivo camarário caiu por estar em minoria. O caso recente da C.M. de Lisboa, como é sabido, foi por opção própria do PSD.
-
Existem 308 câmaras municipais. Com base nos resultados das eleições de 2005, apenas 13 %, ou seja, 42, são governadas por maiorias relativas. Onde os problemas de funcionamento, em geral, se têm resolvido pelo conhecido e democrático método da negociação política. As outras, 87 %, isto é, 266, são de maioria absoluta. Onde está pois a "falta de estabilidade"? Acresce que só num país politicamente muito doente é que os dois maiores partidos (PS e PSD podem defender que as maiorias absolutas são um quase insubstituível pilar da democracia. Na verdade, acordos, negociações, coligações e entendimentos entre diversas forças políticas têm, ou deviam ter, igual dignidade e naturalidade democráticas.
-
O que está, de facto, em causa nesta legislação não é tanto o garantir na secretaria maiorias absolutas. O que se pretende é afastar da vereação de 87 % dos municípios portugueses os representantes dos partidos da oposição.
-
PS e PSD enchem a boca com loas à participação dos cidadãos e à proximidade entre eleitos e eleitores. Não deixa de ser elucidativo que lhes neguem logo à partida o simples e inalienável direito de, com o seu voto, poderem escolher aqueles que melhor os representem.
-
Uma questão exige resposta clara. O número de vereadores do executivo é atribuído com base em quê? A resposta só pode ser uma - nos votos recebidos pelos partidos, coligações ou listas de cidadãos. Caso contrário, poder-se-ia afirmar que tinha acabado a democracia.
-
Como muito correctamente aqui escreveu Vital Moreira (2005/06/25), "(...) a eleição conjunta (câmara e AM) implicaria a natural "bipolarização" não somente na eleição do presidente da câmara municipal, garantindo, na maior parte dos casos, uma maioria fiel e obediente ao presidente, tanto mais que o candidato a presidente se encarregaria de controlar a composição da lista a que ele próprio irá presidir". E mais adiante:"A ameaça à democracia municipal desta proposta de reforma está na inaudita concentração do poder nas mãos do presidente da câmara e na domesticação das assembleias municipais".
-
Não podíamos estar mais de acordo. PS e PSD, a direita dos interesses, querem-nos impingir uma concepão antidemocrática da gestão das autarquias. Que acentuará inevitávelmente o carácter unipessoal e presidencialista da governação camarária. Reduzindo ao mesmo tempo a sua colegialidade e transparência. Depois disso, ainda se poderá falar em "poder local democrático"? (Público)
-
-
Nota do Papa Açordas: Esperemos que o Presidente da República esteja atento e não promulgue tão antidemocrático diploma.

2 comentários:

quintarantino disse...

Se me for permitido, desta feita comento com um post de 29.11.2007 do NOTAS SOLTAS, IDEIAS TONTAS...

Peço-lhe que me desculpe o atrevimento...

O namoro (mais um) ameaça acabar em “marriage”!
Falo do acordo para a revisão da lei eleitoral autárquica que o PS e o PSD preparam e que será uma enorme machadada na democracia a nível local.

Alberto Martins (PS) e Pedro Santana Lopes (PSD), com cedências de parte a parte, traçaram o rumo.

O PS, por exemplo, deixa cair a muito despropositada ideia de executivos municipais monobloco, isto é, quem ganhasse iria designar todos os vereadores.

O recuo passa a uma solução mitigada onde o partido vencedor (nem que seja por um só voto) fica com 50% dos vereadores mais 1 (garantindo assim a maioria absoluta) e os partidos da oposição (mesmo que maioritários) ficam confinados aos restantes eleitos que serão distribuídos pelo tradicional método de Hondt.

Acho mal. Prefiro o modelo actual (com os seus defeitos) onde cada candidatura elege vereadores em função de um resultado alcançado nas urnas.

Na proposta inicial do PS, e recorrendo ao exemplo de Lisboa, António Costa iria açambarcar todos os lugares de vereação, mesmos sendo minoritário.

Agora, na proposta almejada e considerando a lei em vigor, teria sempre 8+1 cabendo os restantes 8 vereadores aos partidos da oposição.

Se actualmente, e apesar do Estatuto do Direito de Oposição, o papel dos vereadores sem pelouros é quase meramente simbólico na maior parte das autarquias, pergunta-se o que é que estarão eles a fazer num órgão colegial onde basta mandar contar “espingardas”?

Por seu turno, o PSD cedeu na posição que se prendia com o desejo das vereações poderem ser constituídas por membros saídos de entre os eleitos ao órgão deliberativo (Assembleia Municipal) ou de fora.

Esta proposta, a ter sido aceite, seria novo ludibriar e embuste aos eleitores.

No fundo, estar-se-ia a abrir portas a que se pudesse apresentar ao eleitorado um conjunto de putativos vereadores e, ganhas as eleições, irem-se buscar os amigalhaços que, por este ou aquele motivo, não se dignaram submeter a sufrágio.

Com o novo figurino que se almeja, o presidente eleito (que será sempre o cidadão da lista mais votada) escolhe os vereadores a partir da lista à Assembleia Municipal e pode substitui-los ao longo do mandato.

Outra atoarda que ameaça mandar borda fora coligações mal amanhadas, acordos de conveniência ou bateres de pé entre vereadores e presidentes de Câmara.

A meu ver, será um enorme contributo a que os déspotas (pouco iluminados, diga-se) que aqui e ali assomam nas autarquias se sintam ainda mais confortados na sua posição de nababos do Poder Local.

Doravante, e sabendo que sobre si impende o cutelo da remodelação a bel-prazer, quem será o eleito local que se atreverá a questionar as ordens e desejosos (nem sempre legítimos) do manda chuva presidencial?

Com que seriedade será possível negociar uma coligação pré-eleitoral sabendo-se que nisto da política se está um pouco como no amor?

Isto tendo-se por premissa que a fase que antecede as eleições é como o namoro, farão o obséquio de reparar que ali tudo se promete para, depois e já consumado o casamento ou ganha as eleições, nada ou quase nada se cumprir…

Valha-nos ao menos que as assembleias municipais passarão a poder apresentar moções de censura (ou rejeição) com garantia de exequibilidade, dado que a sua aprovação por maioria simples obriga a que o presidente da Câmara Municipal apresente no prazo de 15 dias nova proposta de Executivo. Se rejeitada, cai o Executivo e tem de se avançar para eleições.

Retira-se ainda alguma margem negocial (ou de coação psicológica) aos executivos em matérias como a aprovação das moções de censura ou orçamentos municipais, vedando-se aos presidentes de Junta de Freguesia (que continuam a ter assento por inerência na Assembleia Municipal) a participação nas votações.

No fundo, prepara-se mais uma revolução no Poder Local mas sem que se vislumbrem (de algumas propostas) inequívocos benefícios.
Antes pelo contrário. Pensamos que, nalguns casos o nepotismo e o abuso de poder encontrarão caminho livre!

Obviamente que, apercebendo-se do que aí pode vir, os ditos “pequenos” já vieram a terreiro declarar a sua oposição a este cenário.

“PS e PSD não explicaram ao País porque é que estão a fazer estas negociações, e fazem-no porque estão a tratar de negócios”, disse Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda.

“De cada vez que PS e PSD se juntam para acordar uma matéria de sistema democrático, dá maus resultados para a democracia”, afirmou Bernardino Soares, pelo PCP.

"São bem conhecidos os efeitos negativos do pacto de justiça. Agora ouvimos falar num pacto para a segurança interna, para as obras públicas e para as leis eleitorais. Nós temos um caminho próprio que não é do bloco central", disse, por seu turno, Diogo Feyo do PP.

No caso vertente, dou razão aos que se opõem a este entendimento autárquico.
Agora, e com os dados que já conhecidos, cada um que pense no que se passa no seu concelho e tente imaginar o que poderiam congeminar os que lá estão no poder.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Excelente texto que elucida, de forma clara, o que significa este cozinhado PS-PSD.Se tal como está, as câmaras já são o que são, com esse reforço de poder do presidente eleito....
Esperemos que o PR não promulgue. Esperemos!