sábado, 2 de fevereiro de 2008

Sócrates e a violação do regime legal de dedicação exclusiva

Entre finais de 1988 e o final de 1991
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Sócrates acumulou subsídio de exclusividade como deputado com funções privadas

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O ex-deputado José Sócrates recebeu indevidamente um subsídio de exclusividade da Assembleia da República, entre finais de 1988 e princípios de 1992, por acumular as suas funções parlamentares com a actividade profissional de engenheiro técnico, enquanto projectista e como responsável pelo alvará de uma empresa de construção civil. Sócrates nega que tal tenha acontecido, mas diversos documentos por ele assinados confirmam a violação do regime legal de dedicação exclusiva.
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Declarando “sob compromisso de honra” que “exerceu as funções de deputado em regime de exclusividade” entre Outubro de 1988 e o final de 1991, o então porta-voz do PS para a área do Ambiente requereu ao presidente da Assembleia da República que lhe fosse pago, relativamente àquele período, um subsídio mensal para despesas de representação reservado aos deputados em dedicação exclusiva. O pedido foi feito em Fevereiro de 1992 porque o processamento do abono em causa, correspondente a 10 por cento do vencimento (100 euros, vinte mil escudos à época), tinha estado congelado desde a publicação da lei que o criou, em Agosto de 1988, devido à existência de dúvidas sobre o conceito de dedicação exclusiva.
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Ultrapassado este impasse em Janeiro de 1992, graças a um parecer da Procuradoria-Geral da República que fazia equivaler a exclusividade à impossibilidade legal de desempenho de “qualquer actividade profissional” – sem falar em actividade remunerada –, José Sócrates e muitos outros deputados requereram o pagamento rectroactivo do subsídio desde Outubro de 1988.
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No caso do actual primeiro-ministro, os serviços da assembleia chamaram-lhe a atenção, logo após a entrega do requerimento, para o facto de a sua declaração de IRS mostrar que tinha exercido a actividade de engenheiro técnico em 1989, situação que contrariava a declaração feita no requerimento. O deputado informou então, por escrito, que “a verba de 95 000$00”, constante da sua declaração de IRS, se referia a “um projecto executado no mês de Março de 1989” – informação que aliás não coincide com a que agora deu ao PÚBLICO sobre o mesmo assunto (ver outro texto).
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Perante este esclarecimento, o presidente da Assembleia autorizou que fosse pago a José Sócrates o subsídio respeitante aos períodos entre 15 de Outubro de 1988 e o fim de Fevereiro de 1989 e 1 de Abril de 1989 e 31 de Dezembro de 1991. De fora ficou, portanto, o mês de Março de 1989, o único, de acordo com as declarações entregues pelo deputado, em que exerceu a sua actividade privada entre Outubro de 1988 e o final de 1991 – o que também não confere com as suas respostas ao PÚBLICO.
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Em Abril de 1992, porém, José Sócrates assinou um documento relacionado com a revalidação do alvará de uma firma de construção civil da Covilhã, entretanto falida, que mostra uma realidade diferente. “Em 30/07/80 fiz um contrato verbal em regime de profissão livre a tempo parcial com a firma Sebastião dos Santos Goulão, na qual exerço as funções de consultor técnico”, afirma o deputado nesse documento. A acreditar nesta declaração, Sócrates exerceu a sua actividade profissional em todo o período relativamente ao qual declarou a dedicação exclusiva e recebeu indevidamente o subsídio correspondente. Para esclarecer melhor o alcance daquela afirmação, o PÚBLICO pediu a José Sócrates que explicitasse o seu sentido, tendo-lhe sido respondido (em Dezembro) que não havia mais comentários a fazer.
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Por outro lado, uma declaração subscrita por ele próprio em 13 de Abril de 1992 vai ainda mais longe: “(...) declaro por minha honra (...) que pertenço ao quadro técnico da firma Sebastião dos Santos Goulão, Industrial de Construção Civil, na qual exerço as funções que competem à minha profissão por forma efectiva e permanente (...).” Nesta altura, já no decurso da VI Legislatura, José Sócrates, mediante um novo requerimento, já estava a receber, desde Janeiro de 1992, o subsídio de exclusividade que manteve até ao fim do mandato, em 1995.
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As relações profissionais de Sócrates com aquela firma não foram, no entanto, além de Abril de 1992, na medida em que a Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares (actual Instituto da Construção e do Imobiliário) recusou o nome do então deputado como responsável pelo renovação do alvará da empresa (garante da sua capacidade técnica), por não ter sido junto ao processo o respectivo certificado de habilitações ou a carteira profissional de engenheiro técnico civil.Mas para lá da sua ligação a esta empresa em violação do regime de dedicação exclusiva, José Sócrates manteve no mesmo período a sua actividade profissional como projectista de edifícios. Numa pesquisa que ficou longe de ser exaustiva (ver edição de ontem), o PÚBLICO encontrou nos arquivos da Câmara da Guarda diversos documentos por ele assinados em 1989 e 1990 e relativos aos projectos de quatro edifícios.
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Um desses projectos prende-se com um prédio de três pisos que começou a ser construído em 1989 na Rua da Ferrinha, na Guarda, com projecto de José Sócrates e sob a sua responsabilidade técnica. O proprietário, Elpídeo Gomes, garante, todavia, que nunca lhe encomendou nenhum serviço. Dois outros referem-se a obras, feitas em 1989 e 1990, da empresa Joaquim Caldeira & Filhos, em Porto da Carne. O último tem a ver com uma moradia mandada fazer na Guarda, em 1990, por Manuel dos Santos Miguel. Os donos destas três últimas obras disseram igualmente ao PÚBLICO que desconhecem qualquer ligação do então deputado aos seus projectos.
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Nas respostas que enviou ao PÚBLICO o primeiro-ministro diz, contudo, que depois de ser eleito deputado, no final de 1987, a sua actividade privada se tornou “muito residual” e se resumiu a projectos feitos “a pedido de amigos, sem remuneração”.
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Relativamente às funções desempenhadas por José Sócrates na empresa Sebastião dos Santos Goulão verifica-se uma outra situação delicada, na medida em que o então responsável pelo alvará da firma foi simultaneamente técnico da Câmara da Covilhã entre 1980 e 1987, até ser eleito deputado. Embora a legislação da época seja pouco clara quanto às incompatibilidades dos consultores técnicos que são funcionários das autarquias, o princípio geral seguido desde antes do 25 de Abril é o de que estes não podem ter responsabilidades nas empresas de construção civil sediadas no concelho em cuja câmara trabalham. Tanto mais que o estatuto disciplinar dos funcionários públicos sempre contemplou o dever de isenção e imparcialidade, o qual é susceptível de ser posto em causa quando há acumulação de funções privadas e públicas daquele género.
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No caso de José Sócrates o eventual conflito de interesses nunca foi suscitado pelos seus superiores. Mas o PÚBLICO encontrou no arquivo municipal da Covilhã processos de obras feitas pela firma de cujo alvará ele era responsável em que as vistorias camarárias eram feitas por ele próprio e mais dois colegas.(José António Cerejo - Público)
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Nota do Papa Açordas: Que mais se descobrirá?

1 comentário:

Tiago R Cardoso disse...

Vamos lá ver,
Não sou adepto do Sr. Sócrates, aliás discordo praticamente de todas as politicas, seria interessante realmente que se apura-se os factos até ao fim de forma a não criar duvidas a ninguém.

No entanto considero interessante que o dito jornal em dois dias seguidos avance com duas investigações, dando-se ao trabalho de vasculhar coisas de à 20 anos.

Espero que as coisas não fiquem pela metade, se o PM é culpado que pague, se os acusadores inventaram que sejam punidos...