quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Cálculos e balanços

Cálculos e balanços
Constança Cunha e Sá

A triste melancolia que vivemos parece ter os seus dias contados. De há umas semanas para cá, entre a "revolta" do general Garcia Leandro e o "mal-estar difuso" detectado pela Sedes, a "explosão social" transformou-se numa nova e redentora ameaça que ilumina o futuro próximo da pátria. Perante o descrédito dos partidos, a falta de confiança dos cidadãos e "a espiral descendente" em que mergulhou o regime, a Sedes acena miraculosamente com "uma crise social de contornos difíceis de prever". Na mesma linha, o militar, responsável pelo Observatório de Segurança, alertava, há pouco tempo, para uma insurreição popular e para o desespero de alguns apelos a que difícilmente se resistia: ele, pelo menos, sentia-se, cada vez mais tentado a dar largas à justa indignação que, dentro de si, se avolumava.
-
Pelo que se depreende do documento da Sedes e como o texto de Garcia Leandro já antevia, se os partidos não se regenerarem, mais tarde ou mais cedo, o regime acabará por sucumbir, envolto numa espécie de Maria da Fonte de consequências imprevisíveis. Como não parece provável que os partidos se regenerem por sua alta recriação, deduz-se que o "fracasso da democracia representativa" nos vai propiciar, a breve prazo, uma revolução como deve ser, recheada de "emoções primárias" e de "derivas populistas", capaz de nos arrancar, por uma vez, à nossa proverbial e vil tristeza. Independentemente da Europa e de outros condicionalismos menores, Portugal tem, assim, uma sublime hipótese de mostrar ao mundo que as grandes revoltas populares não são um mito do passado, mas uma realidade que nos antecipa radiosamente o futuro.
-
Apesar do que se tem dito, esta visão salvífica do país, que oscila entre a regeneração do regime e a inevitabilidade da "crise", está longe de ser pessimista, revelando, pelo contrário, uma confiança ilimitada nos ímpetos reformistas dos actuais partidos e uma fé indestrutível nas capacidades "explosivas" dos portugueses. Como se pode imaginar, só um optimismo à prova de bala, indiferente às contingências da realidade, consegue jsutificar este tipo de profecias. Se o diagnóstico da Sedes e a indignação do general Garcia Leandro são, de uma forma geral, consensuais, havendo mesmo quem considere que "nada trazem de novo", já a inevitabilidade das suas conclusões pode ser vista como uma estimável ficção que procura esconder a triste e resignada "habitualidade" a que infelizmente nos habituámos.
-
Esta semana, o verdadeiro retrato de Portugal não foi dado pelo documento da Sedes ou pelas suas radiosas antecipações. Foi dado, sim, pelas velhas Novas Fronteiras" do eng. Sócrates e pela triste realidade que por lá se passeou. O optimismo balofo de um primeiro-ministro em campanha, o relato interminável das suas extraordinárias "medidas", os desafios inconsequentes a uma oposição que não existe e a habitual unanimidade que rodeia o poder mostram, com inesperada crueza, a mediocridade reinante deprimente de três anos de propaganda.
-
Infelizmente, o aparente autismo do primeiro-ministro não choca, como se tem dito, com as misérias do "país real": pelo contrário, a sua arrogância e a impunidade de que continua a gozar são o melhor reflexo da situação nacional. Por muito que isso lhe custe, o seu Governo não é um "marco" histórico que estabelece a diferença entre um lamentável "antes" e um radioso "depois": limita-se a ser um fruto do que aconteceu "antes" que continua iremediavelmente ligado às circunstâncias que o fizeram nascer. Agora, como no passado, a sua imagem depende essencialmente dos episódios e das trapalhadas em que se vai afundando o PSD.
-
O eng. Sócrates, esse reformador determinado que a propaganda inventou, não é mais do que um sofrível gestor de um sistema desacreditado que ele, à custa de algumas medidads avulsas e de anúncios intermitentes, acha que modernizou. A modernização, ou, melhor dizendo, a modernidade de que este Governo se reclama reduz-se a um inventário sem rasgo que o primeiro-ministro vai debitando num esforço desesperado de apresentar obra feita. A 18 meses das legislativas, a determinação do reformador cedeu o lugar às necessidades de uma campanha e aos habituais recuos que antecedem as eleições.
-
Não há futuro, como se tem dito, porque o futuro não costuma aparecer no meio de cálculos de mercearia e de pequenos balanços parciais que não apontam para nenhuma política. O futuro, como se depreende de todo este falso optimismo, é uma desagradável incógnita que não se compadece com estas pobres sessões que marcam o arranque de uma longa campanha. E depois há os factos simples, objectivos e verificáveis, que não são simples nem objectivos e que, infelizmente, nunca se verificaram. Ou seja, os factos que justificam este tipo de proclamações: "O rendimento disponível aumentou, baixou o insucesso escolar, baixou o abandono escolar e o salário mínimo teve o maior aumento da década". Infelizmente, este país das maravilhas só pode aparecer nos discursos do primeiro-ministro, porque o país se encontra, de facto, numa situação sem saída. (Público)
-
Nota do Papa Açordas: Um excelente artigo de opinião de Constança Cunha e Sá, publicado no Público, cuja leitura aconselhamos aos nossos leitores.

1 comentário:

Anónimo disse...

Compadre, assim não vale ... e eu que andei a comprar o "Público"!