Num excelente artigo publicado pelo Expresso, a jornalista Raquel Moleiro, escreve
sobre as dificuldades existentes na classe média,, o qual passo a transcrever na
íntegra:
A denúncia parte de Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar. São os
"os novos pobres": a classe média sobreendividada.
Raquel Moleiro
Manuela, 33 anos, hesitou antes de escrever aquele "e-mail" para o Banco Alimentar
Contra a Fome (BACF). E mesmo enquanto o redigia, não tinha ainda a certeza de, no
fim, ter coragem de carregar no botão de enviar. Ela, bacharel em Relações Internacionais,
quadro de um ministério, casada com um professor de educação física e ex-atleta
olímpico. Ela, mãe de uma bebé com cinco meses, tinha agora de pedir ajuda para
alimentar a família. O marido que ficou sem emprego, um salário de €2000 que
desapareceu no mês em que festejaram a gravidez., a renda de casa que foi falhando
vezes de mais, o cartão de crédito gasto até ao limite, o apartamento trocado por um
quarto, e nem assim a comida chegava à mesa. "No dia em que enviei o "e-mail",
faltavam três semanas para receber e só tinha €80", explica. "Havia para o bebé,
mas nós íamos passar fome".
O Caso tem um mês. Ana Vara, assistente social do BACF, ligou a Manuela mal leu o
pedido. E disse-lhe o que tanto tem repetido últimamente: não tenha vergonha, não
é a única. "Nos últimos quatro meses, mais que duplicaram os pedidos directos ao
banco alimentar. E há cada vez mais casos de classe média", garante Isabel Jonet.
A directora do BACF chama-lhes "os novos pobres": empregados, instruídos,socialmente
integrados, mas, ainda assim, vítimas da pobreza e até na fome. Nos últimos três
meses, chegaram ao banco alimentar de Alcântara 250 casos, 30 % dos quais se
enquadram nesta nova categoria. E em todos há pontos transversais: mais mulheres,
muitas mães, desemprego inesperado, rupturas familiares, e sempre sobreendividamento.
Todos os casos são encaminhados para instituições de solidariedade da área de residência
das famílias, através das quais acedem ao apoio alimentar do banco. Mas é também
traçado um plano de vida, para que a situação de carência não passe de um episódio
transitório. Manuela foi apoiada pela Ajuda de Mãe, deram-lhe comida para o mês e
uma lata de leite para a menina. "Foi o suficiente. Entretanto o meu marido já tem
algum trabalho, arranjámos casa a 80 kms de Lisboa. Estamos melhor", garante. Ainda
assim vive sem frigorífico e com o peso na alma de não ter dado à filha uma vacina de
quatro tomas, a €70 cada.
As famílias tradicionalmente carenciadas aparecem no banco alimentar, pedem olhos
nos olhos. Os novos pobres gritam por ajuda, envergonhadamente, atravé do correio
electrónico. Como Luciana, médica, cujo desemprego súbito do marido fez ruir e estrutura
económica do lar de nove filhos. Sem ele saber, sem o magoar de vergonha,
pediu apoio alimentar para uma casa onde nunca tinha faltado nada.
É um flagelo da era moderna que a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor
(DECO) confirma: "Este ano foi mais notório o recurso por parte de famílias com
rendimentos mensais na casa de dois a três mil euros", adverte Natália Nunes,
responsável pelo Gabinete de Apoio ao Sobreendividado. Até 2005, os rendimentos
dos agregados rondavam os mil euros, hoje os pedidos de socorro chegam à classe média
e média alta. "São pessoas com rendimentos acima da média mais que carregam um
peso maior de créditos", explica.
E exemplifica: João, casado com Teresa, é quadro superior de uma empresa e a vida
corria-lhes bem. Teresa ficou há lagos meses desempregada e o rendimento mensal
do casal caiu para €3130. Não têm filhos mas carregam às costas 15 créditos,
entre o empréstimo da casa, créditos pessoais e cartões. Por estas prestações
pagam €2700.
Natália Nunes diz que estão a chegar ao Gabinete agregados familiares desesperados,
apesar de usufruírem de um rendimento mensal entre os €4000 e mais de €6000.
É o caso de Paulo e Cristina, ambos professores universitários, com dois filhos menores
e um rendimento mensal de €6300. O motivo da derrapagem orçamental deveu-se
a uma doença de um dos familiares que obrigou o casal a recorrer mais ao crédito e
ao uso dos cartões. Sem poupança e com uma despesa para pagar, os créditos de €4500
mês, da qual a maior fatia vai para o empréstimo à habitação, e despesas correntes
de €2600 (alimentação, água, luz, educação, saúde, entre outras), o saldo do casal
tornou-se negativo em €800. (Expresso)
Nota do Papa Açordas: È esta a realidade actual do que se passa em Portugal.
Por várias vezes o Papa Açordas tem chamado a atenção dos governantes para esta
realidade, mas debalde. É chover no molhado.
sábado, 1 de dezembro de 2007
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4 comentários:
E os casos apontdos até se situam, quase sem excepção, na gama média-alta. Imagine-se daí para baixo.
A febre do consumismo, o acesso fácil ao crédito, a precaridade dos vínculos laborais, o querer o que o vizinho tem... o resultado está à vista!!! E agora? Que fazer?
Acho que o mundo anda a prestar mais atenção a si próprio do que com os outros, se houvesse mais pessoas a ajudarem os que necessitam não haveria um grande número de pobres neste mundo.
Esta nova pobreza é terrível pois que futuro podem os pais deixar aos seus filhos?
Como é que estruturalmente chegámos aqui? `Lá pelos meus lados publico uma trilogia dedicada ao aço (que o Quint acha uma seca) mas que julgo (pretensão não me falta) abordar este tema. E não é só choradinho.
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