segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Contabilizar a indignidade

-
Manuel António Pina
-
A atribuição ao resistente cubano Guillermo Fariñas do Prémio
Sakharov para a Liberdade de Pensamento, com que o
Parlamento Europeu (PE) homenageia pessoas ou instituições
que se evidenciam na defesa dos direitos humanos e da
liberdade, desapontou os eurodeputados portugueses apoiantes
de outras candidaturas.
-
Perder uma votação é (deve ser, mas que sei eu?) frustrante.
Mas daí a contabilizar o sofrimento e a humilhação individual
para concluir que "o meu violador de direitos humanos é pior
que o teu" vai um precipício moral que, como diz Steiner,
constitui "uma obscenidade adicional ao acto de despersonalizar
a desumanidade".
-
Foi o que fizeram Ana Gomes, do PS, e Miguel Portas, do BE,
proponentes da etíope Birtukan Mideksa, que entendem que, em
Cuba, as violações dos direitos humanos, enfim, como dizer?,
"não têm a gravidade que noutros regimes têm" e que, na Etiópia,
essas violações (tortura, indignidades, prisões arbitrárias) é que
são "gritantes". E o que igualmente fez Ilda Figueiredo, do PCP,
que patrocinava a ONG "Breaking the silence", que tem
denunciado as atrocidades de Israel na Palestina, e acusou o PE
de não querer "enfrentar Israel" e se virar para Cuba, que é
"mais fácil". Há algo de facto obsceno no espectáculo desta gente
sentada nas suas poltronas a fazer contas, de máquina de calcular
na mão, ao sofrimento alheio e a decidir quem sofre mais e
quem sofre menos. (Jornal de Notícias)
-

Sem comentários: