sexta-feira, 22 de agosto de 2008

"Não existo, logo penso"

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Opinião: "Não existo, logo penso"
Luís Filipe Menezes, Presidente da Câmara de Gaia
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«O Verão iniciou-se com um surto de assaltos a tribunais, seguiram-se homicídios em bairros suburbanos. Agora, chegou o recrudescimento do carjacking, os ataques à bomba a carrinhas de valores e os assaltos com homicídios a bombas e a ourivesarias. O maior partido da Oposição manteve-se coerentemente silencioso. Só fala a 7 de Setembro, na Universidade de Verão!
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A Comunicação Social escrita veio denunciar publicamente o sobrecusto de 40% das empreitadas das novas auto-estradas. O Governo "só" se havia esquecido de contabilizar o valor das expropriações! A liderança do PSD não comenta. Coerentemente, só sairá da sua letargia no primeiro fim-de-semana de Setembro, em Castelo de Vide!
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O PSD do Algarve reuniu centenas de militantes e simpatizantes sociais-democratas na tradicional Festa do Pontal. A Direcção do PSD não compareceu. Gente de palavra. Banhos são banhos. Descanso é descanso. Para além da coerência que obriga a não haver misturas com um povão a cheirar a sardinha assada. Prevalece, assim, o voto de castidade verbal, só violável a 7 de Setembro!
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Estudos arqueológicos adiados a favor do betão da empreitada da barragem do Sabor, guerra na Geórgia a pedir comentário sob precedente do Kosovo, Jogos Olímpicos a motivarem uma palavra sobre a estrutura da política desportiva nacional, promulgação do novo mapa judiciário não consensualizado com o PSD. Questões menores, face à afirmação eficaz de um novo estilo de liderança que teria remetido um comentário ao terramoto de Lisboa de 1755 para a data de uma qualquer universidade estival! Pobre marquês, com esta gente da "quadratura" estava condenado, o seu estilo era mesmo insuportavelmente populista!
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A propósito deste marasmo, recordo o último Verão. Quando a então Direcção do PSD levantou a sua voz contra a onda de criminalidade violenta que grassava em Lisboa e no Porto. Responsabilizando directamente o primeiro-ministro. Chamando o Governo ao Parlamento.
Propondo medidas de reforço orçamental na área da segurança. Criando as condições para uma afirmação mais assertiva do Ministério Público. Fazendo propostas alternativas para as novas leis-quadro da segurança interna e investigação criminal.
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Recordo as visitas, por mim realizadas, entre outros, aos bairros da Cova da Moura, Quinta do Mocho, Zona J de Chelas, Aleixo. Nessas visitas, alertámos para o clima de pré-implosão que aí se poderia estar a instalar. Falámos então da incidência brutal de desemprego, utilização do rendimento social de inserção, consumo e tráfico de droga, conflitualidade interétnica, vividas nesses bairros. Identificámos esses portugueses, cerca de 700 mil, se contabilizarmos bairros sociais e bairros construídos a custos controlados, como os mais necessitados de uma intervenção pró-activa, em termos de políticas sociais. Para eles, propusemos um polis social, com um investimento, cujas fontes de financiamento foram identificadas, de dois mil milhões de euros em quatro anos.
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Recordo os pontais de Sá Carneiro, Cavaco Silva, Fernando Nogueira. Líderes horrivelmente viciados numa política pé--descalço, própria do parque jurássico da democracia. Agora, com esta Direcção, os Obama, os Clinton e os McCain deste mundo passaram a ser o paradigma de uma atitude ultrapassada de viver a democracia. Gente que pratica o mau exemplo de andar anos a mendigar votos às bases partidárias, a almoçar em cantinas, a visitar recônditas aldeias, a aturar polícias e bombeiros e quermesses de idosos de todas as cores. Verdadeiros trogloditas e irresponsáveis, que vão gastar milhões de dólares nesses insuportáveis clímaxes de política espectáculo, apelidados de convenções! Espero que, coerentemente, apesar de convidado para o efeito, este PSD lá não esteja presente!
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Recordo a guerra estival que o PS desencadeou contra Cavaco Silva por causa das gravuras do Côa. Será que as do Sabor sabem nadar?, ou será que a actual Direcção do PSD não quer incomodar de todo os interesses instalados?
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Recordo a posição, então criticada, que a minha Direcção tomou contra o reconhecimento do Kosovo. Alertámos para o precedente que ia abrir-se. O conflito da Geórgia teria sido uma boa oportunidade para reafirmar a nossa atitude. A não ser que venha aí uma mudança de posição, na esteira do habitual seguidismo de uma diplomacia sem alma.
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A polémica à volta da selecção olímpica já deveria ter merecido uma palavra por parte de quem aspira a governar o país. Uma palavra de apoio a atletas como Gustavo Lima, Naide Gomes, Pedro Póvoa ou Francis Obikuelu, que merecem respeito e estímulo, uma palavra sob uma filosofia de formação que, apesar da postura positiva do actual secretário de Estado, ainda não entendeu que o princípio de tudo tem de estar num forte desporto escolar, uma palavra de regozijo dirigido a Nélson Évora e a Vanessa Fernandes, dois grandes campeões. Eu sei que a Vanessa é de Gaia, mas palavra de honra que o mérito do seu sucesso não é do presidente da Câmara. É só dela, do seu técnico, da sua família e das gentes de Perosinho. Eu sei que um dos actuais vice-presidentes do PSD foi um dos mais apagados e medíocres responsáveis pela pasta do Desporto. Mas isso é passado. Se fôssemos por aí, julgando o curriculum governativo das actuais Direcção e liderança do PSD, estávamos conversados.
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O actual silêncio da Direcção do PSD está errado. Errado porque um país em dificuldades não foi de férias e precisava de ouvir a voz de uma oposição alternativa, errado porque se deu espaço para o primeiro-ministro marcar a rentrée com uma leitura enviesada sobre a economia e o emprego, errada porque as vitórias baseadas exclusivamente no falhanço alheio são efémeras, errado porque em democracia nada substitui o carinho e a mobilização da base social de apoio partidária, algo que ainda não se faz através da net ou da TV. Nada substitui, em democracia, a força do contacto pessoal, do aperto de mão sentido, do olhar profundo nos olhos de um eleitor.
Errado ainda porque a expectativa gerada com um silêncio de dois meses só poderia ser quebrada por uma declaração que abalasse o eleitorado. Como não consta que seja desejável ou justificável declarar a guerra a Marrocos ou a Castela, tudo o que vier do discurso de 7 de Setembro será inevitavelmente pífio.
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Oxalá não culpem o impacto mediático do Red Bull, a realizar na mesma data no rio Douro, pelo fiasco anunciado. A ser assim, só restará à nova Direcção do PSD desacreditar Descartes e defender uma nova tese, ajustada ao seu comportamento: "Não existo, logo penso". (Jornal de Notícias
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