segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A honra perdida do jornalismo

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Manuel António Pina

A notícia de primeira página do "Expresso" de sábado
("Deputado do BE João Semedo foi sócio do BPN numa clínica do
Porto") é das mais inaceitáveis infâmias jornalísticas que vi em
40 anos de profissão.

Os factos são os seguintes: Semedo (hoje deputado do BE) e
outros médicos criaram em 1994 uma clínica no Porto, tendo
com sócio minoritário uma companhia de seguros, a Real Vida;
cinco anos depois, em 1999, essa seguradora foi comprada pelo
BPN, então apenas mais um banco; oito anos mais tarde, em
2007, soube-se que o BPN não era, afinal, apenas mais um
banco e que os seus dirigentes se haviam envolvido numa
gigantesca fraude que custou milhões aos contribuintes;
Semedo já estava entretanto desligado da clínica desde 2000.

Em "O mundo a seus pés", de Orson Welles, Kane explica ao
chefe de Redacção de um dos seus jornais que os factos podem
não ter a mínima importância que o que torna uma notícia
importante é o facto de ela vir na primeira página. Foi o que
fez o "Expresso": pôs a notícia na primeira página e deu-lhe
grande destaque no interior, fazendo com que os inócuos factos
referidos se tornassem relevantes e lançando subliminarmente
uma difusa suspeita (que suspeita?) sobre um homem honrado.

Quem nos rouba a honra, diz Shakespeare em "Othelo", não
fica mais rico e deixa-nos irremediavelmente pobres. A notícia
do "Expresso" rouba não só a honra de João Semedo mas a honra
do próprio jornalismo.(Jornal de Notícias)
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