sábado, 20 de julho de 2013

Crónica de um fracasso anunciado

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"Reza a mitologia política portuguesa que, certa vez, em vésperas da discussão do PEC IV, Marco António ter-se-á virado para Pedro Passos Coelho, em plena Comissão Política do PSD, e disparou em tom de advertência: "Ou tens eleições no País ou tens eleições no partido."
Não sei se o mito terá passado pela cabeça de António José Seguro, quando ontem anunciou o fracasso das negociações com PSD e CDS. Mas o facto é que, nas atuais circunstâncias e com o cerco que lhe estava a ser montado no partido, subscrever um acordo "com substância" como pretendia o primeiro-ministro podia revelar-se fatal para o líder do PS. Não apenas no plano interno - os falcões socialistas não hesitaram em mostrar as garras ao longo da semana -, mas também no que ao sistema político diz respeito. Isto é, aceitar a cenoura das eleições antecipadas para junho de 2014 que o Presidente da República estendeu e engolir a "continuidade" da trajetória proclamada por Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque seria colocar-se ao nível da irrevogabilidade da demissão de Paulo Portas, que esteve na base da crise política em que, aliás, continuamos por exclusiva responsabilidade de três protagonistas: Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva.
O Presidente da República falhou. E falhou porque acordou demasiado tarde para o compromisso e para a "salvação nacional". O road book que agora quis impor aos partidos subscritores do memorando da troika deveria ter sido apresentado logo após as eleições legislativas de 2011. Mas Cavaco Silva, que pelo silêncio e inação foi, durante dois anos, cúmplice do Governo no desprezo pelo diálogo e a concertação com o maior partido da oposição e os parceiros sociais, apostou "a cabeça, o pescoço e o corpo todo", como dizia a 10 de julho uma fonte de Belém ao DN, numa solução que era obviamente impossível de obter, com o único objetivo de poder construir a narrativa que tanto aprecia: a de dizer que avisou, que tentou, mas que os partidos não foram capazes de se entender.
Perante o falhanço, Cavaco vai ter obviamente de decidir. Se acredita afinal na coesão e credibilidade de uma coligação que parecia irrevogavelmente moribunda - e a quem o Presidente, aliás, induziu um coma irreversível ao decretar a antecipação das eleições a partir de junho de 2014; ou se, pelo contrário, e perante o evidente deteriorar das relações institucionais entre a Presidência da República e o Governo - de que são exemplo a insistência pública de Passos Coelho na remodelação que Cavaco recusou e as acusações de que "antecipar eleições em um ano é lançar a incerteza" -, entende que está em causa o regular funcionamento das instituições e por isso dissolve o Parlamento e convoca eleições já, mesmo tendo dito o que disse a no dia 10.
A verdade é que, com isto, perdemos duas semanas preciosas. E aqueles que agora enchem a boca com o papão dos mercados pelo fracasso das negociações ignoram que, por exemplo, esta semana, Portugal colocou mil e quinhentos milhões de euros de dívida a juros equivalentes aos de outubro de 2010. Ou seja, a incompetência de Cavaco, Passos e Portas e os seus planos de salvação pessoal fizeram recuar a confiança dos credores para as vésperas do pedido de ajuda externa e colocaram-nos quase inevitavelmente na rota do segundo resgate. Queira Deus que esta triste realidade seja tão irrevogável como a demissão do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros." (Nuno Saraiva - DN)


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