sábado, 13 de julho de 2013

A proposta do Presidente

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"1- A proposta com que o Presidente da República (PR) surpreendeu o País tem um significado acima de todos: perdeu a confiança no Governo!
Isso é compreensível e, até, natural.
Depois da confissão de incapacidade contida na carta de despedida de Gaspar, da birra de Portas e da demonstrada incapacidade de Passos para liderar uma coligação sem sobressaltos, Cavaco Silva decidiu deixar de esperar por um qualquer milagre.
Quem ler com atenção o discurso que vai ficar para a história do sistema semipresidencialista português não pode deixar de retirar a conclusão de que o PR passou com desprezo político por cima dos votos de fidelidade mútua renovados entre PSD e CDS. Ignorou qualquer remodelação do Governo. E só explicou, antes de apresentar a sua proposta, porque é que, segundo ele, Portugal deve dispensar eleições a curto prazo. Nesta matéria (de recusa de eleições neste momento), Cavaco Silva tem sido, aliás, coerente.
O PR que merecia a fama de notário da Constituição passou, em pouco mais de uma dúzia de minutos, a ser o líder do País, o porta-voz das reservas que a maioria dos portugueses sistematicamente põe a grande parte da elite dirigente nacional. Essa atitude de Cavaco Silva convoca imensas simpatias, que bem lhe dispensa a perda de alguns dos mais contumazes e habituais defensores do espaço mediático.
2- Será sempre um mistério entender como podem Passos Coelho e Paulo Portas passar por cima desta humilhação pública sem precedentes. Serão, com certeza, e realmente, dois grandes homens de Estado - porque quase todos os outros homens que conheço não aguentariam a posição em que foram colocados depois da pomposa cerimónia de reconciliação de dias antes.
Pode ser que o PR venha, daqui a uns dias, a despachar uma remodelação ao fragilizado primeiro-ministro. Mas, para já, Portas regressou formalmente aos Negócios Estrangeiros, Álvaro Santos Pereira voltou ao convívio de quem já se despedira, Pires de Lima provavelmente deixará de estar disponível para a Economia e para aturar estes desconchavos e Passos Coelho ficou como um desconsiderado líder a prazo.
Uma situação destas é um vexame político e pessoal como raramente se viu.
3- Os próximos dias vão ser muito sensíveis.
Vista em Portugal, a proposta do PR suscita dúvidas e reservas e parece até contribuir para o agudizar da crise, não para clarificar a situação política portuguesa.
Vista do estrangeiro, da confiança dos mercados e das instituições que Cavaco Silva quer que continuem ao lado da recuperação portuguesa, essa mesma proposta é ainda mais difícil de entender.
É compreensível, por isso, a urgência que Belém pede aos partidos para o singular compromisso de "salvação nacional" que deverá marcar eleições antes do final da legislatura, garantir o apoio ao fecho do Programa de Ajustamento nos timingsassumidos (com novas medidas de austeridade se forem necessárias...) e ter também a dimensão de um acordo de médio prazo qualquer que seja o governo que saia das futuras eleições.
4- Tudo isto é novo, surpreendente e muito estranho. O mesmo PR que deixou a maioria ignorar o PS durante quase dois anos quer agora um acordo geral excluindo a extrema-esquerda.
O mesmo PR que rejeita eleições em setembro deste ano já as acha admissíveis em pleno regresso de Portugal aos mercados.
O mesmo PR que preza a autoridade executiva condenou este Governo à menoridade perante o País com uma desconsideração inimaginável e friamente executada - que nem por ser merecida deixa de ser brutal.
Pode ser que o PR tenha êxito nesta tomada da liderança do País. Seria bom que isso acontecesse, porque Portugal está há demasiado tempo entregue aos negócios e à imaturidade. Mas, neste preciso momento, é difícil de descortinar um bom fim para esta complexa situação. Há muitas incógnitas, demasiados obstáculos a vencer por entre os interesses contraditórios que os partidos se habituaram a colocar à frente dos interesses do País. Nisso o PR tem razão. E é por isso que mesmo quem não acredita deve esforçar-se por apoiar este "compromisso de salvação nacional". O caminho para um Portugal independente nas próximas décadas começa a ser muito curto e joga-se já nas próximas oitava e nona avaliação da troika, que, por favor, serão agora conjuntas.
A parte mais obscura da proposta do PR tem que ver com a possibilidade de queda deste Governo para o que há "outras soluções no quadro do nosso sistema jurídico-constitucional". Melhor do que eleições, sr. Presidente?" (João Marcelino - Diário de Notícias)

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