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O Presidente da República, já o sabíamos, não gosta de povo.
Tem medo do povo. Foge do povo. Apesar de, paternalista, gostar de dizer que é "o provedor do povo". Quem não se lembra, por exemplo, dos verdadeiros cordões sanitários impostos de cada vez que o então primeiro-ministro fazia incursões à praia neste país de brandos costumes?
Esta semana, mais uma vez, tal como em tantas outras ao longo da sua vida política, Cavaco Silva escondeu-se. Não o fez atrás de uma fatia de bolo-rei, como em dezembro de 1995, ou refugiando-se no Pulo do Lobo, como em maio de 1994. Agora, acantonou-se, à semelhança das últimas semanas, no Palácio de Belém.
Assustado com uma micromanifestação de adolescentes à porta da António Arroio, em Lisboa, que protestavam contra os preços do passe social para estudantes ou a falta de condições de uma cantina que os obriga a comer nas escadas da escola, o Presidente decidiu, à última hora, cancelar a visita que tinha programada. O mesmo Presidente que, há um ano, incentivava os jovens a manifestarem-se em defesa da escola. O mesmo Presidente que, no seu discurso de posse para o segundo mandato, apelou, em vésperas da manifestação dos indignados, ao "sobressalto cívico" da juventude.
Era esta a primeira vez que saía à rua, em ambiente não controlado, depois da lamúria pública, há quase um mês, das suas pensões, que lhe valeu a censura do povo em Guimarães e a erosão de popularidade em todas as sondagens. Cavaco mostrou, mais uma vez, a sua verdadeira natureza. É piegas, muito piegas.
De Belém, qual estrela guia, surgiu a justificação. "Um impedimento", explicou fonte oficial. Ora, impedimento significa obstáculo, embaraço, proibição, estorvo. Mas impedimento - caso não surja qualquer explicação substancial - arrisca-se a ser também agora, no léxico cavaquista, falta de coragem, medo, fuga, incapacidade de lidar com a crítica ou o descontentamento legítimo de quem procura no Presidente da República um referencial de esperança.
No seu primeiro mandato, e quando procurava garantir a reeleição, Cavaco Silva orgulhava-se dos milhares de quilómetros percorridos em Portugal a ouvir o povo. Dos roteiros inspirados nas presidências abertas de Mário Soares. Ontem, trancado no Palácio da Cidadela, em Cascais, inaugurou um novo formato para estas intervenções. Voltam os perímetros de segurança em jeito de cordão sanitário, que impedem qualquer tipo de aproximação ao Presidente.
Assim será, aliás, daqui para a frente. Depois da vaia em Guimarães, Belém não arrisca um milímetro. Os novos roteiros presidenciais acontecerão sempre à porta fechada, com admissão por convite e sem contactos com a população ou com a imprensa.
Trata-se, pois, de uma Presidência sequestrada e refém das gafes, do medo da rua e da obsessão com a imagem deste Presidente. Ou, na formulação da jornalista São José Almeida, do "início de um novo ciclo político que poderá ficar para a história como o da Presidência fechada".
Num país que ultrapassou a barreira do milhão e meio de desempregados reais, em que o salário médio não chega a 800 euros mensais e o salário mínimo é de 485 euros, em que a austeridade é cada vez maior e os sacrifícios se tornam insuportáveis para uma fatia muito significativa dos cidadãos, um Presidente da República inacessível a todos os portugueses que jurou representar, que se esconde e vive barricado no Palácio de Belém, torna-se inútil. Nem vale sequer a pena tentar ajudá-lo a prosseguir o seu mandato com dignidade. Porque quem se esconde desta maneira não se dá ao respeito e não é digno do mandato que lhe foi conferido pelo povo.
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