sábado, 20 de junho de 2009

A mesma ou outra pele?

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»A fragorosa derrota do Partido Socialista nas eleições europeias transformou, de um dia para o outro, o até agora intrépido e impante José Sócrates num líder compreensivo, delicado e manso. Prova clarividente disso mesmo: a primeira entrevista que deu após o descalabro. Ali se viu como o primeiro-ministro reconheceu com a humildade dos puros os erros que cometeu na governação. E como se dispôs a corrigi- -los até ao limite da exaustão, para que todos possamos viver em paz e sem a menor dúvida de que Sócrates trabalha para o bem do povo e do país. É tudo falso e plástico, clamam os detractores do chefe do Governo. Será?
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Confesso que a tese dos que vêem na transformação do primeiro-ministro uma encenação barata para enganar o incauto eleitor me causa alguma impressão. Por duas razões. Primeiro, porque isso significaria que Sócrates leu, com ou sem a ajuda dos seus "spin doctors" e especialistas em marketing político, a derrota das europeias como resultante de uma mera questão de estilo e de errada comunicação das decisões. Erro básico: Sócrates sabe muito bem que a crise faz mossa nas famílias, que manifestações com cem mil professores têm o seu peso, que ter ministros como Santos Silva e um porta-voz desajeitado como Vitalino Canas não ajuda, que o matraquear do "caso Freeport" incomoda, etc., etc.... Sócrates sabe que foi a agitada governação que liderou, somada à escolha errada do cabeça-de-lista às europeias, que aumentou em flecha o preço da derrota. E não apenas o seu estilo mais incomodado e distante.
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Segunda razão. Os que hoje dizem que Sócrates está a mudar de pele, passando da versão mr. Hyde para a versão dr. Jekyll, são os mesmos que viram na sua rija, intransigente e decidida pose um dos principais trunfos para alcançar a primeira maioria absoluta dos socialistas. O argumento radica - e, a meu ver, com razão - no atávico gosto dos portugueses de serem liderados por quem mostre - e use - autoridade (que, às vezes, se confunde com autoritarismo) e não amoleça perante as dificuldades.
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Daqui decorre uma fulanização da escolha que será outra vez decisiva nas legislativas. Não foi por acaso que, quando perguntado sobre o que o distinguia de Ferreira Leite, Sócrates respondeu com a "mundivisão" (sic). Ele é um líder moderno, aberto ao mundo e aos temas fracturantes; ela é uma conservadora sem retorno, que entende que o casamento tem na procriação o seu primeiro objectivo e que as grandes obras públicas só servem para dar emprego aos ucranianos e outros tipos de duvidosa proveniência.
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Do lado de Sócrates, a estratégia para a batalha, que para ele é decisiva, está definida. Resta saber se a líder do PSD terá arte suficiente para trazer o debate para o campo da política pura e dura.« (Paulo Ferreira - Jornal de Notícias)
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