terça-feira, 11 de junho de 2013

Dois anos depois

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Dr.Mário Soares

"1. O atual Governo não comemorou - e fez bem - o seu segundo aniversário. Foi uma prova de bom senso. Não havia nada a comemorar, visto que Portugal, nestes dois anos, foi de mal a pior, como as estatísticas indicam e todos os portugueses sentem na pele, sejam pobres ou ricos.
Aliás, Passos Coelho, nesse dia de aniversário, tentou mostrar-se, salvo erro, na Amadora e foi de novo vaiado violentamente, apesar do excesso de polícias e seguranças que o escoltavam e tentavam proteger, em torno dele ou, prudentemente, estavam metidos em carros da polícia. Não se faz ideia do que a proteção do primeiro-ministro e de todos os ministros e secretários de Estado deve custar. Seguramente um balúrdio...
Portugal nestes dois anos foi de mal a pior. É incontestável! Os números não mentem. As portuguesas e os portugueses, que estão desempregados ou a quem, sem respeito pela dignidade das pessoas, "roubaram" as pensões, para as quais descontaram longos anos, vivem desesperados e muitas vezes, quando não têm família, na miséria, a ponto de procurarem comida nos caixotes do lixo. Há alguém que, sobretudo nas grandes cidades, ignore esta vergonha nacional, num país como Portugal? E, entretanto, continuam a vender - ou a querer vender - muito do nosso património. Uma desgraça nunca vista!
Por isso tantos gritam, todos os dias, cada vez com mais força: basta! Vão-se embora! Mas os ministros não têm vergonha - é para mim triste dizê-lo, e não o faço como ameaça mas para os acautelar - porque se assim continuar, como tem sucedido, as pessoas desesperadas podem deixar de ser pacíficas.
Entretanto, Passos Coelho, com uma insensibilidade completa ao que se passa à sua volta, disse ao Expresso do último sábado - cito - "Claro que o normal é recandidatar-me [...] visto que o meu programa pressupõe duas legislaturas e o Governo não pode cair por desentendimentos menores."
Além de incompetente é inconsciente: "Desentendimentos menores" o que se passa no Governo? Não terá ouvido - ou lido o que disse o FMI? Os prémios Nobel da Economia, como Krugman e Stiglitz? Ou, ao menos, o que disse no Parlamento o deputado João Almeida, do CDS e íntimo de Portas? Ou a anunciada greve dos professores?
Ou não terá visto a sondagem publicada no Expresso que o coloca de longe como o último dos líderes políticos dos partidos com assento no Parlamento com 10% negativos de popularidade e o seu Governo, abaixo de tudo, com 25,8% negativos?
É certo que tem tido a proteção do seu amigo atual Cavaco Silva, Presidente da República, contra o que diz a Constituição da República que, aliás, jurou, e que também continua a descer nas sondagens. Mas com a Europa da Zona Euro a mudar, a viagem do Presidente Cavaco Silva pode, no seu regresso, trazer algumas surpresas.
Passos Coelho, seguidor do seu amigo Vítor Gaspar, odiado por todo o País, não vai ter "segundo fôlego", como pretende. Prepare-se para isso, que é o mais provável.
2 A política de austeridade está a ser um desastre para Portugal, cada vez maior, como para a Zona Euro. Mas o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é um fanático neoliberal, que ignora as pessoas (que para ele não contam) e só pensa nos mercados usurários, dos quais indiretamente depende. Por isso continua a política que traçou, imperturbável. E o pior é que é ele que manda no Governo.
Contudo, a Zona Euro está, como não podia deixar de ser, a mudar. Porque as vítimas da austeridade deixaram de ser só os Estados "preguiçosos" do Sul, como dizia a chanceler Merkel. A Holanda é um exemplo, como a própria Suécia e, ao que parece, a Finlândia também, a dar sinais de recessão...
É fundamentalmente isso que tem levado a senhora Merkel a mudar de política, a aceitar o eixo franco-alemão e, com a proximidade das eleições a mudar, ao que parece, de política, dando prioridade à Zona Euro sobre a União Europeia e a atribuir as responsabilidades ao seu velho amigo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que transformou em "bode expiatório"...
Por outro lado, também reduziu o Reino Unido - com o primeiro-ministro David Cameron - às suas circunstâncias... Quem viu a Inglaterra de Churchill e de Attlee e quem a vê agora! Que diferença...
A senhora Merkel separou a Zona Euro - para ela a mais importante, agora - da União Europeia dos Estados europeus que nunca aceitaram o euro como moeda única. Fez bem e é importante que assim tenha acontecido. E, ao mesmo tempo percebeu - por interesse próprio - que a austeridade não leva a parte nenhuma, senão à desgraça dos Estados que a têm seguido. Por isso, apesar de ter tratado tão mal países como a Grécia, que tanto desprezou, sem então compreender que a Grécia foi o berço da nossa atual civilização, in extremis não a deixou cair.
Contudo, o mais interessante é que a chanceler está a mudar de política. Com o Presidente François Hollande a voltar ao eixo franco-alemão. Porquê? Porque a senhora Merkel - que era quem mandava na União - percebeu, finalmente, que a política de austeridade, que impôs a tantos Estados da Zona Euro, lhe pode ser fatal. Porque com a recessão económica nos países vítimas da austeridade diminuíram bastante as importações que lhes vinham da indústria alemã. Daí que a economia alemã comece, ela própria, a ter dificuldades.
3 A Turquia e os seus problemas A Turquia sempre foi para mim um grande país. Tenho o gosto de o conhecer bem, quer no interior quer no litoral, bem como alguns dos seus dirigentes e a sua história, sobretudo desde o tempo de Atatürk até hoje.
Sempre achei um disparate - e disse-o publicamente várias vezes - que a Turquia, membro da NATO, não tivesse entrado, como Portugal e Espanha, na Comunidade Económica Europeia (CEE) e depois União Europeia (UE). O eixo franco-alemão, talvez por razões nacionais, mas com vistas curtas, sempre considerou isso negativamente.
Contudo, desde há dez anos, o primeiro-ministro Tayyip Erdogan tem governado a Turquia com mão de ferro. Mas nos últimos tempos o país está à deriva. E têm-se multiplicado os combates de rua na Praça Taksim, acusando Israel e o sionismo como um crime contra a humanidade. Há, seguramente, islamitas fanáticos, mas também há outros que só querem mais liberdade. E Erdogan, agarrado ao poder, está a tornar-se um ditador.
A Turquia vai mal e isso é péssimo, não só para a Turquia como para os países vizinhos e para a própria Europa e a América.
4 Os países da CPLP À exceção da Guiné, que se tornou, infelizmente, o paraíso da droga, os outros países da lusofonia vão geralmente bem e pacificamente, o que é excelente. Cabo Verde tem ido sempre muito bem. O Brasil, cada vez mais próximo de Portugal, no fim do ano dedicado aos dois países, com a visita da ministra da Cultura, Marta Suplicy, e no Dia de Portugal, 10 de junho [ontem], da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Com o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, a dar a sua primeira entrevista à SIC, com grande abertura a Portugal e sem se referir, com isenção, nem ao Presidente Cavaco Silva nem ao Governo de Passos Coelho, o que o povo português certamente muito apreciou. Com Moçambique, onde o gás natural, recém-descoberto, e outros minerais, tem vindo a crescer, como a agricultura, e ainda o distante Timor, sempre fiel à amizade com Portugal e vice-versa.
É bem o momento de o Estado português procurar dar um grande impulso à CPLP. Mas como é possível fazê-lo, com o atual Governo, que só pensa em negócios - e nunca na cultura - e vender a retalho o nosso património e no dinheiro a dar à troika, com uma insensibilidade total pela ruína do seu próprio país?...
5 Certa comunicação social tem vindo a criticar - sem razão, quanto a mim - o provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, a ponto de sugerir que se devia demitir. Seria um erro enorme, porque no estado crítico da situação atual seria dificílimo encontrar um provedor de Justiça tão bom como este. Os partidos não se iriam entender com outro. E este tem sido, quanto a mim, excelente." (Mário Soares- DN)

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