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Mário Soares
"1. Segundo o Público, Cavaco, num discurso no Parlamento Europeu, criticou a política de austeridade em países vítimas como a Grécia e Portugal. Foi interessante e oportuno fazê-lo. Mas então porque não critica o Governo português fanático da austeridade, e até convidou o ministro das Finanças, Vítor Gaspar (que é quem manda no Governo) e o levou, uma vez, ao Conselho de Estado? O que aliás foi um fracasso enorme, porque nenhum conselheiro lhe fez uma única pergunta...
É contraditório e curioso que o Presidente da República, no Parlamento Europeu, discurse contra a austeridade e em Portugal se cale e proteja um Governo fanático da mesma. E mais: o ache legítimo, quando está paralisado há um mês, sem saber o que fazer e sem rumo. Está a arruinar o País e a vender a retalho (sem se saber por quanto e a quem) o nosso património. Lembremo-nos do desastre que acontece com os CTT, que davam lucros e estão a desaparecer onde fazem mais falta, na província.
A continuar assim não admira que baixe nas sondagens - como nunca se viu - e que em Portugal seja vaiado, quando sai de Belém. O mesmo acontece aos ministros e secretários de Estado deste Governo, a que está ligado, como cúmplice e protetor, ao contrário do que manda a Constituição da República, que jurou cumprir...
Pobre Portugal, que assim não pode deixar de ir, de mal a pior. Todas as portuguesas e os portugueses que amam patrioticamente o seu país o sentem na pele...
2. A GRÉCIA E PORTUGAL Durante dois anos que o atual Governo já conta, para nosso mal, que Passos Coelho e Gaspar, entre outros, gritaram, com bastante displicência: "Não somos a Grécia"! Como se a Grécia fosse um país qualquer e não o berço da nossa civilização ocidental que nos ensinou a filosofia, a ciência e a democracia.
Contudo, o tempo foi passando e nós portugueses fomo-nos cada vez mais parecendo com os gregos: vítimas dos mercados usurários e da imposição alemã da austeridade.
Agora o Governo grego, seguramente por pressão alheia, contra a vontade de dois dos três partidos da coligação, resolveu acabar com a rádio e a televisão oficiais. Para economizar? Não faz sentido. Note-se, contudo que o falso doutor Relvas, quando ainda era ministro do atual Governo, tentou fazer o mesmo, com a nossa televisão. Felizmente não o conseguiu, porque teve muitas oposições, entre as quais destaco, por ser relevante, no bom sentido, o cineasta António-Pedro Vasconcelos.
Mas o Governo atual, à deriva como está, com ou sem Relvas, ou com ele na semiclandestinidade, mas ainda com bastante influência no primeiro-ministro, do qual, como se sabe, é sócio, pode voltar à carga. Os funcionários e os jornalistas da televisão portuguesa que se acautelem e não tenham medo de falar. O medo, não esqueçam isso, além de lhes ficar muito mal, não os poupa nem antes nem depois. Falem em consciência e digam o que pensam. É o que se espera de uma comunicação social a sério e autor-responsável que começa a ter uma pressão que é outra forma, mais hábil, de fazer censura. Até para poder ser vista e ouvida, com aplauso, dos portugueses...
Os partidos, mesmo os da esquerda, dado o descrédito da política em geral, devem renovar-se e adaptar-se aos novos tempos que aí vêm.
3. ATENÇÃO! A DEMOCRACIA JÁ NÃO É A QUE FOI A democracia num país, com medo e com uma justiça que não funciona, para os poderosos e os ricos - mas tão-só para os pobres - e uma classe média a definhar-se, não pode deixar de ser uma democracia com muitas sombras e falhas. É o que tem estado, infelizmente, a acontecer. Para além da tentativa de destruição do Estado social, a democracia do pós-25 de Abril está a ficar definhada, como o Estado de direito.
No próprio Parlamento há falhas entre os que têm medo de falar e se calam e os raros que se atrevem a dizer o que pensam. Os partidos estão a deixar de ser populares, como os políticos. No PSD, dois terços dos militantes são críticos do Governo. Mas na maior parte estão calados. Os candidatos a presidentes das autarquias falam o menos possível do partido a que pertencem, para não perderem as eleições. Do Governo nem pensam em falar. O CDS se vier a fazer parcerias com o PSD, como se diz, comete um erro insanável. Só perde, como se verá. Aliás o CDS/PP, que ainda tem um bom score nas sondagens, se confia nessas parcerias, vai ter uma grande desilusão. A verdade, tarde ou cedo, vem sempre à tona de água...
4. A JUSTIÇA É O PIOR QUE TEMOS Com as devidas exceções, como é natural. Ainda há, felizmente, bons juízes e delegados do Ministério Público. Mas os sindicatos dos magistrados e dos representantes do Ministério Público confundem-se com a política, recorrem, para se prestigiar, à comunicação social, o que só os desacredita, e aos poucos têm vindo a destruir o antigo prestígio que a justiça teve no passado. A justiça, todos o sabem, não funciona e leva meses e anos para que surjam as sentenças. A ministra da Justiça, que já disse querer demitir-se, não o fez. Mas é como se o fizesse. Não fala nem age. E deixa correr, porque quem conta são os sindicatos judiciais, que só pensam nos seus interesses.
5. UM CASO ESTRANHO Sempre tive uma grande consideração e estima pelo dr. Francisco Assis, meu correligionário, embora não o tenha apoiado para líder do PS. Achei que depois de ter sido vencido por António José Seguro se comportou com enorme dignidade.
Mas desde há um ou dois meses começou a descarrilar, fazendo elogios a quem os não merece e tomando posições inverosímeis para um socialista. Em que ficamos? Espero que reflita - porque o estimo - para que não seja visto como oportunista.
6. O LÍDER DO PS António José Seguro, meu camarada e amigo de sempre, desde que cortou com a austeridade e percebeu que este Governo, que tanto o injuriou, está em absoluto paralisado e a levar o nosso país ao desastre total, rompeu com ele e pede a sua demissão. Fez quanto a mim muito bem. Tem vindo, aliás, a dialogar com os partidos da esquerda radical e com os movimentos de esquerda sem representação parlamentar. Felicito-o por isso, porque representa, acima das ideologias, uma atitude patriótica.
Mas o mais importante, quanto a mim, é que foi o primeiro líder partidário a perceber a necessidade dos partidos de esquerda, dos países vítimas da austeridade - e agora são já muitos - a entender que é um objetivo prioritário vencer a crise da Zona Euro.
Ainda há dias se reuniu em Paris com François Hollande e muitos outros representantes dos partidos socialistas - no Fórum dos Progressistas Europeus -, onde além de propor que a Europa da Zona Euro "pague subsídios acima de 11% dos desempregados", defendeu - cito de novo - "a mutualização da Zona Euro acima dos 60%". E no plano político e social voltou a defender "que Portugal precisa com urgência de um novo Governo".
É um exemplo para todos os países vítimas da austeridade e para a própria Alemanha, que aliás começa a sentir que se não for assim leva a Zona Euro ao abismo. O que será extremamente negativo não só para a reeleição da chanceler Merkel como para o seu País.
Como tenho escrito, este é o caminho para vencermos a crise da Zona Euro e fortificar a nova Europa, que aí vem.
Faz-nos falta ainda a democracia cristã, cujos partidos o atual Papa bem poderia relançar. Fazem falta! E devem regressar à Zona Euro, para ajudar a pôr fim à loucura do neoliberalismo, metendo na ordem os mercados usurários e submetendo-os aos Estados, que têm vindo a ser vítimas do reacionarismo dos seus atuais governantes: Banco Central Europeu, Comissão Europeia e do FMI, que causam as maiores dificuldades para vencer a crise da Zona Euro em que temos vivido. Da Grécia à Irlanda e Portugal e, depois, da Espanha à Itália, à Holanda, a Chipre, à Bélgica, à Suécia e à própria Finlândia e, porventura, à França." (Diário de Notícias)
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