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"No seu discurso da festa do Pontal, na última sexta-feira, o líder do PSD e primeiro-ministro Pedro Passos Coelho alinhou um conjunto de mensagens que me deixou perplexo, pelo afastamento da verdade e do rigor, pelo tom de ameaça e, finalmente, por revelar uma grande fragilidade.
Logo no arranque da sua intervenção, Passos recordou que lidera um governo resultante de eleições livres, a que foi dado o mandato claro de cumprir o memorando da troika. Apresentou-se, assim, plenamente convicto da sua legitimidade.
A verdadeira história, porém, remonta à festa do Pontal de 2010, onde o mesmo Passos deixou claro a José Sócrates que rejeitaria qualquer orçamento que implicasse aumento de impostos, a qualquer título, instando o então primeiro-ministro socialista a cortar fortemente na despesa, pois esse era o caminho. Em 2011, ganha as eleições com uma narrativa semelhante e apoiado no dito memorando que, inequivocamente, impõe um ajustamento repartido a dois terços do lado da despesa e a um terço do lado da receita.
Pois bem, Passos Coelho não cumpriu nem a promessa de não aumentar impostos (de resto, impossível de cumprir, mas que faz dele igual a tantos outros políticos), nem a repartição prevista pela troika. Ou seja, não é verdade que mantenha a sua legitimidade intocável.
Em segundo lugar, agarrou-se à estimativa rápida esta semana divulgada pelo INE, que revela um crescimento de 1,1% do PIB no segundo trimestre deste ano, face ao trimestre anterior, atribuindo-lhe o estatuto de corolário da política económico-financeira dos últimos dois anos.
O Governo não foi efusivo na comemoração deste pequeno sinal, o qual, sendo positivo, nos traz a todos um pouco de esperança e de motivação. Uma prudência que registei com agrado. Contudo, o Pontal desta sexta-feira trouxe de volta um Passos Coelho que continua obcecado por uma fórmula que não funcionou, ancorada numa lógica de aumento de impostos para compor a folha de cálculo orçamental, esquecendo os mecanismos de criação de riqueza, aquilo que designamos por economia.
A verdade é que a generalidade dos analistas refere que este microssucesso aconteceu "apesar" das políticas do Governo. E, já agora, em benefício do rigor, convém esclarecer que a comparação com o período homólogo do ano passado revela ainda um recuo de 2%, sendo que o PIB agora apurado equivale apenas ao do mesmo trimestre do ano 2000! Ou seja, não é rigoroso falar de "momento de viragem" nem associar este crescimento pontual às políticas do Governo.
Numa terceira mensagem do seu discurso, Passos Coelho elencou os riscos ainda latentes para o país, introduzindo nomeadamente um conceito inovador para a nossa democracia: o risco constitucional. E, na passada, identificou os potenciais culpados e vítimas de uma eventual, para não dizer esperada, inconstitucionalidade do diploma da requalificação da Função Pública, que pode abrir portas para, no dizer do presidente da República, despedimentos arbitrários dependentes de "eventos fortuitos".
No pensamento do primeiro-ministro, as vítimas serão os cidadãos, as empresas, no fundo todo o país, e o culpado será o Tribunal Constitucional, na pessoa dos seus juízes. O Governo, esse conjunto de pessoas que um dia jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição, está, ao que parece, inocentado à partida, já que o "risco constitucional" é visto como um risco exógeno. Uma peça de retórica política digna do epíteto "neoconstitucionalista", mas que, na prática, não passa de uma ameaça direta aos juízes do Palácio de Ratton, a meu ver excessiva para um primeiro-ministro num regime democrático.
Por fim, Passos Coelho não podia deixar de endereçar as eleições autárquicas que se avizinham. Começou por baixar as expectativas, considerando impossível repetir o bom resultado de 2009, mas estabeleceu o objetivo de vencer as eleições e manter a presidência da Associação Nacional de Municípios. Significa, portanto, que pretende conquistar o maior número de câmaras.
O problema está na segunda parte da mensagem. Passos foi perentório ao afirmar que "nenhuma instabilidade governativa resultará destas eleições autárquicas". Ou seja, assume o cenário da derrota e, preventivamente, afasta leituras que o pudessem responsabilizar pela sua ação governativa. É um sinal de fragilidade, indubitavelmente." (José Mendes - JN)
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