sexta-feira, 16 de maio de 2014

Tchin tchin

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Isto das dívidas soberanas é um bocado como as vacas loucas e o antrax, é por ondas. Qualquer dia se calhar ninguém fala disto, como ninguém falou antes."A frase é de um dos entrevistados do DN de amanhã, quadro de uma multinacional alemã despedido em 2012 que agora, usando as poupanças, joga na bolsa para sustentar a família.
Vítor - chama-se Vítor, 40 anos - julga ter aprendido a seguir "a mão invisível": "Há ciclos. E nestes três anos houve gente a fazer muito, muito dinheiro. Houve bancos e empresas portuguesas que subiram 300%. E enquanto os resultados do País eram cada vez piores, os juros da dívida desciam cada vez mais. Um dos ativos mais lucrativos, aliás, foi a dívida grega - os especuladores perceberam que o caminho era sempre a descer, e portanto valia a pena comprar." Porque, explica, "deve-se comprar no caos e vender quando está tudo eufórico".
Mas, claro, quando a esmola é muita o pobre deve desconfiar: "Houve uma altura em que éramos os piores do mundo, e agora somos os melhores, e sem ter mudado nada. Tenho receio do que pode suceder." O que pode suceder, risco para o qual muitos economistas não engajados na teoria da "austeridade salvífica" alertam, é que não tendo a descida dos juros qualquer relação com o estado da economia dos países, tudo pode mudar de um momento para o outro - e sem aviso.
Numa entrevista dada nesta semana ao Público, o britânico Philippe Legrain, conselheiro de Barroso entre 2011 e fevereiro de 2014 ("Nunca seguiu os meus conselhos", comenta), reforça a teoria da conspiração de Vítor. Os resgates da Grécia, Portugal e Irlanda foram resgates aos bancos alemães e franceses, diz Legrain: não foi reestruturada a dívida grega, em 2010, quando se revelou o estado das contas da Grécia, porque isso implicava grandes perdas para os bancos dos dois países do "diretório". "Emprestar dinheiro a uma Grécia insolvente transformou os maus empréstimos privados dos bancos em obrigações entre governos", explica este economista, que publicou neste ano um livro sobre a crise europeia. "O que começou por ser uma crise bancária que deveria ter unido a Europa nos esforços para limitar os bancos acabou por se transformar numa crise da dívida que dividiu a Europa entre países credores e países devedores. E em que as instituições europeias funcionaram como instrumentos para os credores imporem a sua vontade aos devedores."
Em 1936, a três dias de ganhar o segundo mandato, Roosevelt, o presidente que regulou o sistema bancário que causara a Grande Depressão de 1929 e ergueu a América da miséria com o New Deal, disse: "Sabemos agora que o governo pelo dinheiro organizado é tão perigoso como o governo da máfia." Setenta e oito anos depois, o dinheiro organizado brinda à vitória. E os servos, alvares, emulam-no.
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)

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