O sistema de pensões é insustentável. A troika diz, o Governo assevera, especialistas reiteram, colunistas afiançam, jornalistas ecoam.
A grande questão é pois perceber como é que, com uma coisa desta gravidade a meter-se pelos olhos adentro, nada se fez até ao advento de tão bravo Executivo. Pior: ainda há pouco tempo havia uns tresloucados que queriam aumentar as pensões e estabelecer a impossibilidade de as diminuir. Por exemplo um Pedro Mota Soares, decerto sem nada a ver com o atual ministro da Segurança Social, propunha em janeiro de 2008 acrescentar às pensões "um fator de correção da inflação para aumentar o poder de compra". Em 2010, o mesmo Mota Soares, ou seja, outro, apresentava um projeto de lei em que pontificava serem "os pensionistas um grupo social bastante vulnerável aos impactos negativos da crise económica" e, preocupando-se com o facto de "a introdução do Complemento Solidário para Idosos", criado pelo Governo PS, "estar longe de atingir a grande maioria dos pensionistas" (o ministro de nome igual diminuiu o valor de referência do CSI e operou uma descida de mais de 30 mil no número dos beneficiários deste complemento que exige condição de recursos, ou seja, prova de efetiva necessidade), terminava com um artigo único: "As pensões atribuídas pelo sistema de Segurança Social não podem diminuir o seu valor, mesmo nos anos em que o Índice de Preços do Consumidor for negativo." Vá lá que no mesmo ano, em junho, o PSD, pela voz de um Miguel Relvas, anunciava um projeto de lei para limitar o pagamento de pensões do regime público a um máximo de 5034,64 euros - mas ressalvava logo que "sem retroatividade", tratando--se de "uma medida excecional, que poderá ser revogada quando o País estiver com boa saúde financeira".
A 24 de março de 2011 (dia seguinte ao do chumbo do PEC IV), um líder do PSD de nome Passos Coelho assegurava em Bruxelas que jamais faria cortes nas pensões. E a 19 de abril reforçava: "Todos aqueles que produziram os seus descontos no passado e que têm hoje direito às suas reformas e às suas pensões deverão mantê-las no futuro, sob pena de o Estado se apropriar daquilo que não é seu."
Felizmente nenhum destes irresponsáveis ignaros está no Governo que nos garante que a única forma de sanar a por si decretada "insustentabilidade" é introduzir uma TSU específica e definitiva para pensões em pagamento que penaliza mais os que recebem menos, aumentando ao mesmo tempo a TSU geral 0,2% e juntando-lhe 0,25% de IVA. O Governo que apresenta isso como "uma reforma" enquanto mantém na gaveta um suposto projeto de reforma que encomendou a um grupo de especia- listas e anuncia a encomenda de outro projeto de reforma a outro grupo de especialistas. O Governo, em suma, das saídas limpas - e das verdades irrevogáveis.
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)
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