"1. A ministra das Finanças disse que não falava sobre o caso das listas especiais de contribuintes.
A afirmação foi curiosamente complementada pelo primeiro-ministro, na tarde de sexta-feira: "O governo não teve qualquer interferência neste processo", afirmou, justificando a continuação no cargo do secretário de Estado.
A ministra das Finanças acha que pode não falar sobre um acontecimento grave ocorrido na pasta que tutela. Não está em causa uma cobrança indevida de um imposto a um contribuinte, um fiscal pouco zeloso, nada disso, são condutas que os seus próprios correligionários qualificam de gravíssimas. A ministra pensa, portanto, que não tem de responder por algo que o seu secretário de Estado afirma ser qualquer coisa contra o qual é "visceralmente" contra, algo que é manifestamente ilegal. Ou seja, a ministra não se acha responsável, não acredita que deva responder perante os cidadãos sobre aspetos que dizem respeito a toda a comunidade e que estão sob a sua responsabilidade.
Bom, nem sempre é assim. Cobram-se mais impostos? Há menos fuga ao fisco? Grandes sucessos do governo, fruto de uma aturada atuação dos seus ministros e secretários de Estado. Algo corre mal? São os malandros dos funcionários públicos que só querem minar. Não é novidade, aliás, também foi assim nos ministérios da Educação e da Justiça.
Maria Luís esquece, ou nunca soube, que o mandato que indiretamente lhe foi dado pelo povo é algo de concreto, algo pelo qual tem de responder. A responsabilidade política não é um chavão, um termo usado pelos comentadores políticos, é sim um mandato, qualquer coisa como "nós, o povo, damos-te esta tarefa e tu tens de responder por isso". A ministra pode pensar que teve uma falha perdoável, que essa mancha não compromete a confiança entre a comunidade e ela, mas não pode fingir que não é a responsável pelos serviços que tutela, e logo serviços que lidam com uma das mais sensíveis relações que o cidadão tem com o Estado: o vínculo fiscal. É ela que está de vigia, é ela a responsável, nunca, em caso algum, pode dizer que não fala, que não explica.
Existe também uma manifesta confusão na cabeça do primeiro-ministro sobre qual é o significado do mandato que o povo lhe atribuiu quando diz que "o governo não teve qualquer interferência neste processo", a culpa da elaboração do pacote VIP seria dos serviços, do diretor-geral ou do subdiretor. Cabe informar que ninguém votou nestes senhores. Não há dois governos, um composto pelos funcionários públicos, outro pelos membros do governo. O governo interferiu, interferindo ou não interferindo. Digamos que também aqui há um gigantesco equívoco: nós elegemos pessoas para que governem, para que interfiram, ainda para mais em áreas em que só o poder político pode atuar.
Há, tanto na ministra como no primeiro--ministro, uma evidente falha de cultura democrática ou, na melhor das hipóteses, um desconhecimento do que é a responsabilidade política, no que está em jogo na relação do poder político com os cidadãos.
2. Maria Luís Albuquerque disse, num encontro partidário, que "temos os cofres cheios". A frase, para a ministra, não passará, com certeza, de um chavão de campanha. Uma tentativa de convencer as pessoas de que estamos finalmente bem, com dinheiro a rodos, bem diferente do tempo da bancarrota. Claro que se a plateia fosse formada por desempregados, ou por alguns dos dois milhões dos nossos concidadãos que vivem na pobreza, ou por gente que teve de sair do país, ou por pensionistas a quem foram cortadas as pensões, o anúncio era capaz de não ser muito bem recebido. A ministra também não deve ignorar que ter os "cofres cheios" não é, em si mesmo, a tarefa de um governo, será um meio para promover o bem-estar da comunidade, mas pronto, campanha eleitoral é assim mesmo.
O que escapou a Maria Luís Albuquerque é o significado da expressão na nossa memória coletiva. Poucas frases recordam o salazarismo e os seus valores como "ter os cofres cheios" ou "os cofres cheios de ouro". Um tempo em que havia dinheiro nos cofres, mas em que a miséria grassava e não havia segurança social, saúde ou educação pública - como bem lembrou Manuela Ferreira Leite na TVI24.
Claro que a ministra das Finanças não queria fazer qualquer tipo de elogio ao antigo regime, mas alguém que é ministra de Estado tem de saber que as palavras têm história, que os povos têm memória e que o papel de um político é também preservá-la. Ser um bom técnico não chega. Longe disso.
3. A vontade que a oposição mostra de correr com o alegado secretário de Estado dos Assuntos Fiscais só pode ser entendida à luz de uma qualquer intenção de poupança na despesa do Estado. Se ninguém liga ao homem, não estará a fazer nada de mal. Também não estará a fazer nada de bem, mas se quem manda nos seus serviços são os diretores-gerais - os tais que se demitiram por não terem feito nada de errado - e ele não tem qualquer interferência no processo, não há problema nenhum. Deixem lá o homem, que ele gosta mesmo de lá estar. Ah, o carro preto..." (Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)
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