Há muito menos violação do segredo de justiça do que o que se crê. É o procurador-geral adjunto João Aibéo (acusador no julgamento do processo Casa Pia) a dizê-lo, durante um debate promovido na quarta à noite no Sindicato dos Jornalistas. Exemplifica: "Há uns 15 dias uma revista dizia que publicava todos os documentos secretos de um processo. Mas quem compra vê que nas 15 páginas de artigo nem um documento. Sim, há transcrições de um recurso, de uma resposta ao recurso, de um despacho judicial. Documentos, nenhuns."
Mas os tais excertos são, alegadamente, de documentos em segredo. Responsabilidade de quem? Aibéo não sabe: é como, diz, adivinhar o que está atrás de uma porta fechada: "Não sei, portanto não posso dizer que não é um gato." Já o outro interveniente no debate, Eduardo Dâmaso, diretor adjunto do Correio da Manhã, sabe. Tem de saber - a publicação em causa, mais a TV do mesmo nome, são veículos privilegiados do que está, ou apresentam como estando, em segredo de justiça. E se vê na discussão sobre a matéria "um garrote da atividade jornalística que resulta muito de estratégias de defesa de pessoas que têm poder para as conduzir, dando a ideia de que a violação do segredo de justiça é o crime mais grave que um jornalista pode praticar". Prossegue: "É um crime dos anos 90, um crime da moda. Essas pessoas que estão hoje muito preocupadas com ele nunca se preocuparam quando a violação atingiu pessoas que não tinham importância social e económica." E conclui: "O segredo de justiça para mim não é um valor absoluto, se tiver de o violar violo, essa ponderação assumo como um direito totalmente legítimo enquanto jornalista."
Parece assim assente que para Dâmaso o crime de violação do segredo de justiça, se não criado para proteger "poderosos", limita o jornalismo; violá-lo poderá pois ser um imperativo de interesse público. Quem passa o segredo ao jornalista estará então a colaborar com esse interesse, certo? Parece que não: "Pensar que o titular de um inquérito, um magistrado, num caso muito importante, tem interesse em promover a violação do segredo de justiça para obter a condenação pública de um arguido, é um pouco bizarro, porque [os arguidos] têm o poder e a capacidade de inverter essa discussão contra a justiça. Pensar que alguém do MP ou um juiz tem esse interesse de torpedear a própria verdade material de um processo - porque a violação do segredo torpedeia a verdade material da investigação, não tenho dúvidas sobre isso, e tem um efeito boomerang sobre a justiça - é muito pouco abonatório para a inteligência comum das pessoas." Então quem? "A quem aproveita o crime", diz o representante do CM. Além de aproveitar àqueles que publicam as violações, como o próprio e o seu grupo, o crime beneficia que outros interesses? Ora, os dos arguidos, responde Dâmaso. O mesmo que garante ser capaz de ir para a prisão para proteger as fontes - a não ser, diz, que o enganem.
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)
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