domingo, 22 de setembro de 2013

O livrinho vermelho do ministro

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"O ministro Crato não quer Inglês obrigatório no 1.º ciclo. Renega o caminho que estava a ser trilhado nesse sentido e que era das melhores heranças do anterior Governo.
Não me parece que seja necessário discorrer sobre a importância da língua inglesa nos nossos tempos. Talvez seja até insultuoso explicar o quão essencial é começar desde cedo a aprendizagem do inglês. Também, por outro lado, é capaz de não interessar vir repetir a ladainha que é preciso o mínimo de estabilidade nas políticas públicas, sobretudo nas que dizem respeito à educação.
Mas sejamos compreensivos, todos sabemos as dificuldades que estamos a passar e também tem de haver austeridade na Educação. O ministro tinha de cortar em algum lado e dentro das várias opções de política educativa disponíveis decidiu cortar no ensino do Inglês, acabando com a obrigatoriedade da oferta de inglês no 1.º ciclo, nas Actividades de Enriquecimento Curricular.
Aliás, consequente com esta medida, também fez aumentar as turmas do 2.º ciclo. É patente e notório: Crato acha que as escolas públicas devem desinvestir no Inglês. No ensino, sublinhe-se. É que apesar de não querer ensinar, quer fazer exames - acabou de instituir um exame de inglês do 9.º ano, supervisionado pela Universidade de Cambridge. Desde que o aluno passe no exame, o ministro não quer saber de mais nada. Está lá ele interessado se o aluno aprendeu alguma coisa ou não.
É assim: quer saber inglês? Se a escola decidir não ter essa disciplina ou não tiver meios para a ensinar, deve o aluno ir aprender onde melhor lhe aprouver. Crato deve querer incentivar o empreendedorismo nos miúdos. Pode ser até que o Ministério da Educação faça uns anúncios televisivos com uns senhores que se deram bem na vida a dizer: "Eu nunca aprendi inglês e vejam onde eu cheguei" ou "eu ia descalço para a escola, a minha turma tinha 50 alunos das quatro classes e não me fez mal nenhum".
Nuno Crato quer mesmo promover a desigualdade de oportunidades, quer mesmo limitar o acesso dos mais pobres ao ensino. Não é possível que um indivíduo medianamente inteligente não perceba que acabar com a obrigatoriedade do ensino do Inglês é fomentar a desigualdade de oportunidades, que os rapazes e as raparigas de famílias mais abastadas irão para escolas privadas de línguas a que as famílias mais pobres não têm acesso.
O ministro mente, mente claramente quando diz que quer mais liberdade de escolha. O ministro não pode ignorar que sem o mínimo de igualdade a liberdade não existe. Que liberdade de escolha tem uma família que não tem dinheiro para pôr um filho a aprender uma língua estrangeira?
E a propósito de liberdade de escolha, que tal deixar as escolas decidirem se devem ensinar História, Matemática ou Português? Isso é que era liberdade de escolha como deve ser.
O ministro Crato não gosta da escola pública. Não gosta, pronto. Não gosta da comunidade escolar, não gosta do espaço, não acha que a convivência entre alunos mais pobres e mais ricos, com mais e menos livros em casa, com interesses diferentes, de diferentes raças e origens sociais ajude no crescimento dos rapazes e das raparigas. Crato não acredita na escola como um espaço de desenvolvimento pessoal e de crescimento do sentido de comunidade. Crato não acha que criar uma comunidade de professores, encarregados de educação e alunos faça sentido. Aqueles edifícios são para ir fazer exames da quarta classe, do quinto ano, disto e daquilo. Assim sendo, não são precisos computadores, Magalhães ou outros, não é precisa a Parque Escolar - para que melhorar as escolas? -, não é preciso formar e melhorar professores - para quê se só são necessárias pessoas para corrigir testes. Pronto, vá lá, ter umas aulitas e ala para casa ou para a rua ou para outro lado qualquer. Para isso se diminuí o tempo de permanência na escola, se diminuíram as actividades extracurriculares e era capaz de apostar que as aulas de substituição estão em sério risco.
O ministro Crato confunde tudo. Confunde exigência, rigor e aprendizagem com exames, confunde disciplina com autoritarismo e não percebe que a liberdade exige um mínimo de igualdade.
A actual escola pública está carregada de defeitos e insuficiências, há poucas coisas mais urgentes do que a sua melhoria e o seu desenvolvimento. Mesmo carregada de problemas, não só é um dos melhores frutos da democracia portuguesa como é dos pouquíssimos veículos de coesão e progressão social da nossa comunidade. Levou uma geração a construí-la. Mas como tudo na vida, leva muito menos tempo destruir do que construir. Ninguém melhor do que um revolucionário para o fazer" (Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)


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