"1 A hipocrisia da vida política portuguesa pode ser mais uma vez verificada com a chamada Lei da Limitação dos Mandatos.Vale a pena relembrar que esta lei, acordada entre PS e PSD, em 2005, visava impedir os autarcas de se candidatarem a mais do que três mandatos em qualquer ponto do País. Há testemunhos desse propósito que presidiu ao entendimento - e que assim foi apresentado ao País.
Já na altura, os dois partidos, predispostos a serem corajosos com os autarcas, não foram capazes de assumirem que a eternização no poder também poderia assumir dimensões negativas nos cargos de primeiro-ministro ou de presidente de governo regional...
E, no entanto, a dúvida é legítima: se a eternização no poder pode ser má ao nível local (nos negócios, nos negócios...), não o será, por maioria de razões, nos poderes executivos regional e nacional, em que os interesses são maiores?
2 Mas voltemos à Lei da Limitação dos Mandatos dos autarcas. Sucedeu depois que, no recato nos gabinetes, "o legislador" produziu a lei que se conhece, propositadamente dúbia no seu texto. E quando, há poucos meses, o problema se colocou de forma inequívoca, por intervenção de Cavaco Silva, os partidos representados na Assembleia da República - todos - recusaram-se a clarificar a lei.
Todos sabiam que o processo acabaria no Tribunal Constitucional e que este, com aquele texto, presumivelmente decidiria como decidiu esta semana: o impedimento diz respeito apenas ao território (em que se exerceu a função nos três mandatos) e não à função.
Ou seja, os políticos empurraram a decisão para os juízes. Primeiro os dos tribunais comuns - e veja-se a balbúrdia que foi! - agora os do TC - e veja-se como todos suspiraram de alívio!Os principais políticos portugueses não tiveram coragem de hostilizarem as suas bases, sobretudo em ano eleitoral, como já antes não foram capazes de se autolimitarem nos seus cargos nacionais, que exercem ou a que aspiram.
3 Relembrados os factos, deixo a opinião: não faz sentido estigmatizar os autarcas e esquecer outros cargos de eleição direta. Os cidadãos são tão idóneos para escolherem governantes locais como para elegerem o chefe dos executivos nacional e regional, e assim, também, indiretamente, os ministros. Repare-se, por exemplo, que o Presidente da República, Cavaco Silva - que ocupa, aliás, o único cargo nacional com limitação de mandato -, leva mais de 20 anos de funções públicas nacionais, só suplantado pelo eterno Alberto João Jardim.
O combate aos interesses deve ser uma prática constante em democracia, mas um autarca não tem de ser mais suspeito do que um ministro das obras públicas, da economia ou da defesa. Para o favorecimento e o tráfico de influências existe a investigação policial. E se a lei partir do princípio de que o homem é sério, os anos não são um fator de desconfiança, são um capital de experiência que o tornam mais capaz para a realização dos anseios das populações.
Esta lei mostra como os diretórios dos partidos sentem dificuldades em ser coerentes até ao fim nas suas decisões, mas, independentemente disso, foi colocada na dimensão acertada pelo TC: limita mas não impede - e, sobretudo, coloca a decisão nas mãos dos eleitores."
(João Marcelino - Diário de Notícias)
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