"Ontem ficámos a saber que três frases de Ricardo Salgado citando o Papa dão para encher duas páginas de jornal - e "económico", note-se. E também que não tem a barba por fazer nem nódoas na camisa e continua a ocupar duas salas no Hotel Palácio, enquanto garante ser falso que guardou milhões na Ásia. Ah, e que não se considera responsável pelo fim do BES.
Não está só, Salgado. Mas se pode invocar o direito ao silêncio (e a dar música) há quem não possa. Dá igual, porém: quase duas semanas pós o anúncio da partição do BES, o BdP não fez o obséquio de explicar o que realmente sucedeu no banco nem a linha de tempo da sua atuação. Pior: produz declarações contraditórias e até falsas e spin que inclui - pasme-se - uma ata do BdP.
Domingo 3 de agosto, Carlos Costa afirmou que o Grupo Espírito Santo desenvolveu "um esquema de financiamento fraudulento" e o supervisor tinha em setembro de 2013 "conseguido identificar uma ponta do problema". Mas, na sexta--feira seguinte, na audição parlamentar, questionado sobre o momento de conhecimento da fraude, respondeu: "Não referi fraude."
Repete o governador que a decisão de intervir no BES só foi tomada a meio de sexta 1. E a ata do BdeP, de 3, diz que só a 31 (hora não esclarecida) o BES comunicou ao BdP a insuficiência de liquidez. Ora 31 é a quinta-feira em cuja manhã o Governo aprova em segredo a legislação que permitirá ao BdP operar a resolução e o dia seguinte ao da publicação dos resultados do BES que revelam "um grave incumprimento" - leia-se, insolvência. Alguém acredita que esta só então fosse conhecida da nova administração - por algum motivo Bento se escusou a dizer na SIC quando descobriu o "buraco"-, e portanto do BdP?
A mesma ata diz que do fim de junho até 31 de julho (nova administração entrou a 14) o BES perdeu 3350 milhões em depósitos, e o BdP lhe injetou 3500 milhões. A ata fala ainda de atos de gestão "gravemente prejudiciais (...) num momento em que a substituição da anterior administração estava já anunciada [a partir de meio de junho]". Ou seja: o BdP sabia que o BES estava em sangria, por isso lá meteu dinheiro; o BdP que diz que desde 2013 "desenvolveu progressivamente uma política de isolamento dos riscos do BES em relação às restantes empresas do grupo" reconhece não ter conseguido isolar ou evitar coisa alguma.
Mas, ante tudo isto, qual é a "grande notícia" que sai da ata? Que a "culpa" da intervenção no BES é do BCE, porque a 1 de agosto "lhe tirou o tapete", excluindo-o do eurossistema e alegadamente exigindo o reembolso de 10 mil milhões até dia 4. Sério? Um banco falido (logo, pelas regras, excluído do eurossistema) que nos dizem vítima de gestão fraudulenta e precisara de 13 500 (10 mil mais 3500) milhões de liquidez do banco central ia-se aguentar não fosse o mau do BCE, é isso? E nós somos todos tolinhos."
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)
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