"O primeiro-ministro disse não haver aumento de impostos. O coro de vozes foi unânime: nenhuma nele acredita. Passos Coelho chegou, de facto, ao grau zero da credibilidade, e já não se trata de fé: o homem, sobre ser o primeiro-ministro mais detestado da II República (esta, porque no período de Salazar o conceito republicano e os seus valores foram brutalmente espezinhados), é, de certeza, o que tem com a verdade uma relação totalmente conflituosa.
Os subterfúgios de linguagem, a que Passos nos habituou, com desenvolto desaforo, fê-lo acrescentar, ao discurso do apaziguamento, este acrescento decisivo: não haverá aumentos durante este ano; ora, o ano está a findar, e significa que, durante três meses, os portugueses podem estar descansados. Estávamos neste interregno de placidez eis senão quando a notícia do sobressalto agitou as nossas almas: o buraco orçamental aumentou perturbador e trágico.
Às doenças económicas, que apoquentam quem mora no purgatório português, adicione-se as da alma e do recto viver, que transformaram padrões de comportamento e as éticas das relações numa cultura do inumano. Vivemos, a maioria da população, num sobressalto ininterrupto, sempre à espera do pior, e todos os dias a comunicação social polvilha-nos com o medo de existir. A política desapareceu do vocabulário desta gente que nos governa há três anos. Passos Coelho e os seus administram Portugal como se Portugal fosse uma loja de secos e molhados. O desrespeito pelo outro tornou-se prática comum. O número de assessores, adjuntos, motoristas, guarda-costas, secretários e secretárias acumulado nos vários gabinetes custa uma fortuna inútil ao erário, por desnecessários. Possuo a lista, que alguém me enviou pela internet. É um caso de polícia.
Vivemos no preconceito do número, e o «economês» substituiu-se à análise política dos factos. O idioma críptico utilizado pelos preopinantes que infestam jornais, rádios e televisões chega a atingir as fronteiras do absurdo. Jornalismo, propriamente dito, a reportagem, a crónica, a notícia, o artigo que esclarece, desenvolve o raciocínio e explica a natureza dos acontecimentos, foram engolidos por uma massa caótica de palavras, as mais das vezes sem direcção nem sentido.
Os homens de palha invadiram a nossa sociedade. O exemplo dos «políticos» frutificou. O Financial Times tornou-se um episódio tão caricato que até serve como símbolo de um indivíduo que surge num comboio a ler o jornal colorido, ao lado de quem um curioso estica o pescoço para saber das últimas notícias... de economia! O pior é que ninguém, ou poucos, nada diz da calamidade cultural e ética que nos envolve.
Os homens de palha. Não esqueçam de que existem, e andam por aí."
(Baptista Bastos - Diário de Notícias)
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