quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O que sabe Mendes?

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"Na noite de sábado, algures de férias, Marques Mendes falou em nome do Governo, sem comprometer o Governo mas com acesso íntimo ao Governo, e explicou o que iria acontecer ao BES nos dias seguintes. Tudo muito bonito, muito limpinho e asseadinho, muito bom para todos nós, os contribuintes escalfados pelos impostos. Tudo supimpa para o Governo, que falou sem falar, disse sem dizer.
Afinal, há coisas que ainda correm bem. O comentador acertou em quase tudo. Ou melhor: leu todas as leis sobre recapitalizações - disse ele, "li a legislação recente e com um ano, dois anos"; e a aprovada de escantilhão, na véspera, leu? -, cruzou a informação obtida junto "de várias pessoas" (que judicioso) apurou os factos e nós, aqui nos jornais, de boca a aberta a mudar textos, a voltar a falar com as mesmas fontes e outras também.
Que maravilha. Não vale a pena pagar uma redação, jornalistas, revisores, salários, livros de estilo, maçadas, cenas. Marques Mendes, algures neste nosso deserto informativo, faz o serviço completo, et voilà: comentador, repórter, porta-voz ministerial, fonte das instituições que convém no momento em que convém. Mas também popular, popularucho, próximo - vê-se que é um homem que sabe falar às pessoas -, indignado, irado quando tem de ser. Os acionistas do BES são "uma espécie de lixo", disse ele, juntando-se à multidão que quando vê acionistas imagina nababos. Depois da Via Verde, aqui está outra patente lusitana a registar: uma mistura de jornal popular com páginas de referência, embora em carne e osso, gravata a condizer, acesso ao prime time. Prever é difícil, especialmente o futuro, mas Marques Mendes não prevê, ele acerta, ele sabe o que deve ser sabido. É um market mover, o mercado mexe-se, cai ou sobe, quando ele debita.
Cá está a inveja do jornalista (a minha) a roer-se do fim do monopólio da informação e do seu relato desejavelmente equilibrado e comprometido com a procura da verdade. Os jornalistas estão hoje como aqueles amoladores de facas e tesouras que às vezes, num domingo soalheiro, ainda ouvimos passar pela rua lá em baixo a soprar naquela gaita de beiços só deles. Espreitamos à janela, ali vai ele, o amolador, excêntrico e solitário, naquele passo rumo ao fim, o beco sem saída; e nós, os consumidores, só pensamos que as facas já as trocámos no IKEA, é mais rápido, um clique, e que o guarda-chuva não merece a despesa nem o trabalho.
Mendes é isso, é o IKEA da informação. Ele apura, alvitra, promove, posiciona, limpa. É expedito. "Este dinheiro - disse ele sobre os 4,4 mil milhões que os contribuintes acabam de emprestar ao Fundo de Resolução - não vem do Estado, (...) não é dinheiro público." Que beleza, que rigor, que modelo de negócio: a cama do poder mudou-se para o quarto poder. É uma sinergia muito económica e que nunca repousa. Marques Mendes... algures... a partir do deserto jornalístico. Et voilà."
(André Macedo - Diário de Notícias)

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