"1. No final da linha do escândalo BES tem de haver gente presa. Não é possível que dezenas de milhares de pequenos acionistas estejam condenados a perder a quase totalidade das suas poupanças e tudo tenha acontecido sem que haja responsáveis, apenas por meras circunstâncias de mercado ou pela terrível complexidade da gestão financeira associada ao dia-a- -dia dos bancos. Não pode ser! Aqui houve gestão danosa, destruição de valor numa escala telúrica para um país da dimensão de Portugal e os seus responsáveis têm de pagar por isso. A Justiça não pode servir apenas para prender Donas Brancas. Quando se lê qualquer notícia sobre o BES na imprensa internacional, agora que passou o tempo suficiente para se perceber o que está em causa, é essa perplexidade que surge: como é que ainda não há responsáveis detidos?
2. O crime também esteve associado aos últimos momentos da vida do velho BES. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) já desconfia de algo que fora do circuito oficial ninguém pode ter dúvidas: houve fugas de informação criminosas que permitiram a algumas pessoas e instituições safarem-se - o termo é este - da original intervenção de que o banco foi alvo. Se no dia (sexta, 1 de agosto) em que as ações foram suspensas, 83 milhões delas foram transacionadas em 42 minutos (mais de duas vezes a média diária!, até se chegar aos 12 cêntimos por ação!), se agora se sabe que a Goldman Sachs conseguiu vender tudo o que tinha em carteira e até, por aqueles dias, a Portugal Telecom decidiu fechar a sua conta no banco dos acionistas!), a conclusão só pode ser uma: soube-se! Os amigos, como aqueles a quem Ricardo Salgado mandou recomprar papel comercial nos últimos três meses, inflacionando o prejuízo do banco em sentido contrário às instruções recebidas do regulador, o Banco de Portugal, conseguiram minorar as perdas. Os indícios são mais que muitos e prová-los deve ser uma missão das instituições que regulam o setor, em associação com a Justiça.
3. É verdade: a solução encontrada para o BES parece ter sido a melhor. Pelo menos, foi bastante elogiada na União Europeia, além de ter sido tão bem recebida pelos mercados quanto o foi a inevitável demissão de Henrique Granadeiro na PT depois do caso dos 900 milhões de euros "investidos" em papel da Rioforte. No entanto, a regulação e a supervisão voltam a sair muito fragilizadas do caso BES. Repete-se, com outros contornos, o caso BPN-Vítor Constâncio. E o argumento é sempre o mesmo: não havia informação, houve factos novos. Pois, mas a verdade é que, mesmo com razoável intenção e notórias desculpas, Carlos Costa, Passos Coelho e Cavaco Silva - pessoas que representam o Estado português! - induziram em erro o País e causaram graves prejuízos aos investidores. Afinal, o BES não estava saudável. Esteve em grave risco. Já estava abaixo da linha vermelha aquando do último aumento de capital a que concorreram os crentes aforradores que agora vão perder as suas poupanças. E este novo episódio não contribui para a imagem de todas as instituições envolvidas.
4. Outra das dimensões do escândalo do BES tem que ver com a solidez dos produtos financeiros que são colocados no mercado. O caso das últimas obrigações da Rioforte é um excelente exemplo de algo que nunca deveria ter passado no crivo da CMVM. Em termos concretos, a empresa não tinha valor, ativos, que justificassem o empréstimo obrigacionista que colocou cá fora e que Ricardo Salgado venderia depois nos balcões do banco aos incautos depositantes e cá fora às empresas onde pontificavam amigos. Carlos Tavares mostrou o seu incómodo no Parlamento, mas não chega. Há que ser mais exigente com estes "produtos financeiros" porque tudo isto tem que ver com a confiança no sistema financeiro e a vida concreta das pessoas que investem as suas poupanças.
A insustentável leveza da gestão de Ricardo Salgado parece ter apanhado de surpresa até os acionistas do Crédit Agricole francês, o grande apoio internacional da família Espírito Santo, e que tinha até assento no conselho de administração do BES. Há coisas que, mesmo ouvidas, são difíceis de acreditar..."
(João Marcelino - Diário de Notícias)
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