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"Não resisto no meu "escrito" de hoje a referir uma recente moda de comunicação quer dos políticos quer dos que opinam e comentam sobre a vida política. Trata-se da técnica das percentagens.
Somos bombardeados todos os dias com dados percentuais da mais diversa forma: ora são 3,5%, cerca de 94%, 28%, 19%, 14,5%, enfim, uma panóplia de números abstractos que, pelo menos no que me diz respeito, não sei a que se referem e com que base são calculados.
Como imaginam estes "comunicadores" que as pessoas da vida real ouvem estes números e estas percentagens? Numa atitude bondosa, diria que sorriem... e mudam de canal!
Na verdade, as pessoas da vida real têm outros e diferentes problemas, alguns deles bem mais graves, com os quais ninguém parece preocupar-se!
As pessoas passaram a estar "integradas" nos números.
Não sei muito bem, mas ouvi um dia desta semana o senhor ministro da Saúde falar de percentagens, julgo que a propósito das urgências hospitalares. Fiquei sem perceber o que eram os tais 62% a que aludiu... Mas percebo a vida diária de todos quantos carecem de assistência hospitalar e por isso vou contar uma pequena história de uma grande mulher do nosso país. Não sei se estará nas contas percentuais, acho que não, mas a sua história é das que se vivem e sentem todos os dias.
Esta mulher realizou uma operação no IPO ao cancro da mama. Retirou-a, sofreu física e psicologicamente as dores mais insuportáveis que um ser humano pode suportar.
Tem necessidade de realizar exames de acompanhamento para que os médicos possam verificar a evolução da doença e, se tal for necessário, realizar novas intervenções ou alterar a medicação prescrita.
De acordo com o calendário médico, devia realizar dois exames no princípio deste mês de Janeiro de 2014. Como é óbvio, tentou marcar as datas e as horas para o efeito. Mas não! Não os pode fazer, não existem verbas de suporte para a realização destes actos, informam-na de que apenas se poderão fazer os exames que assumem características de grande gravidade... Não sei e ela também não sabe quais os elementos que podem tipificar esta "gravidade". Esta mulher tem uma doença grave, e vê-se na necessidade de ser acompanhada constantemente, de modo a monitorizar a evolução da sua doença, para poder continuar a ter uma vida digna que merece e a que tem direito.
Dizem-lhe para esperar, só podem marcar a consulta com o médico depois de realizar os tais exames, mas os tais exames não podem ser realizados agora...
Já foi ao hospital mais de três vezes, ainda não foi desta, talvez ainda seja possível durante o mês em curso....
Claro que se pode dizer que estes exames podem ser feitos numa clínica privada! Claro que sim, só que um deles custa mais de 800euro euros. Ela não tem esse dinheiro. É reformada...
E neste mês já sofreu os cortes que até aqui e até agora ainda não tinha suportado. É uma mulher que na sua vida diária se vê confrontada com a escassez de meios para realizar um exame médico de que precisa e que lhe é negado, pelo menos neste período, mas a quem o Estado considerou "equitativo" retirar uma parte dos seus rendimentos!
Esta mulher, esta grande senhora, tem filhos e neto. É reformada e ajudava a família com os pequenos rendimentos que, tinha essa convicção, se manteriam inalterados.
Pois se o Estado se havia comprometido a rentabilizar as suas comparticipações feitas ao longo de mais de 50 anos com o objectivo de proteger e "compensar" os anos de trabalho que deu ao País - era assim que ela pensava - com certeza que esse compromisso não viria, em nenhuma circunstância, a ser alterado. Como se enganou!
Já não pode continuar a ajudar e não tem dinheiro para fazer um exame urgente e inadiável numa clínica ou hospital privado. O hospital público não dispõe, no momento em que ela precisa, de capacidade para o realizar.
Em qual das percentagens de que nos falam todos os dias a propósito de tudo e de nada é que se "encaixa" esta mulher? Em nenhuma, diria eu, pois do que se trata é de pessoas e da sua vida real, não de números. Até quando?