"A polémica sobre os cartazes do PS com frases na primeira pessoa passou por quase tudo - das datas (não seriam suficientemente demagógicas) à correspondência de rostos e histórias (imensa gente achou que aquilo eram minirreportagens), passando pela (essa sim grave) denúncia de que os fotografados não teriam dado autorização para o uso específico. Do carácter sombrio da mensagem, sublinhado pelo preto e branco, e da forma como as expressões, carregadas e interpelantes, dos modelos contrastam com a superficialidade pepsodent, de banco de imagens internacional, dos seus congéneres nos cartazes da coligação pouco se falou. Ora esse contraste, como a inexistência de debate sobre ele, não podia ser mais simbólico. Como o é que perante os dois tipos de cartazes se tenha questionado a respetiva "veracidade" a partir da identidade dos modelos e não da mensagem que veiculam. Que é muito simples: nuns, o país está mal; noutros, está bem, ou pelo menos melhor.
A tarefa do PS e dos seus cartazes era tanto mais difícil - mesmo antes da polémica - quanto ao fim de seis anos de crise (iniciada em 2008/2009 com o crash financeiro internacional, prolongada na crise das dívidas soberanas a partir de 2010 e pelo pós-resgate de 2011) e de sucessivas vagas mediáticas de atenção ao desemprego e pobreza se parece ter esgotado o filão. É como tudo: "não se pode" pôr sempre o último decapitado pelos facínoras do "Estado Islâmico" na capa e na abertura dos telejornais; "não se pode" passar a vida a fazer reportagens sobre a sopa dos pobres, as crianças que vão para a escola sem comer, os idosos sem dinheiro para os medicamentos, os cinquentões que nunca mais arranjarão emprego, as famílias que perdem as casas e os jovens licenciados que emigram, ou as campanhas de recolha e distribuição de alimentos que em 2010/11 tanto entusiasmavam, por exemplo, o Presidente da República (alguém mais o ouviu falar do assunto fome?). Tudo cansa, sobretudo as coisas deprimentes. De modo que nas redações já não se exigem todos os dias ideias para "ilustrar a crise". E o que não aparece, como é sabido, não existe.
Bem podem pois especialistas em "medição" da pobreza como Carlos Farinha Rodrigues ou a Caritas alertar para o facto de nos últimos anos se ter agravado brutalmente a situação dos mais desfavorecidos (o rendimento dos 10% mais pobres desceu 24% entre 2009 e 2013); a noção de que "o pior passou" parece estar a triunfar. A onda parece ter chegado até aos utentes das instituições de solidariedade social, de acordo com inquéritos efetuados em 2010, 2012 e 2015 pela Universidade Católica. Com o mesmo nível de rendimentos e as mesmas dificuldades, menos questionados se consideram "pobres" em 2015 (79%) do que em 2012 (82%). Um dado tanto mais curioso quanto o número de utentes que mesmo trabalhando pedem ajuda, sobretudo alimentos, a estas instituições passou de 17% em 2010 para 31% em 2015. Quase o dobro. Portugal pode mais?"
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)
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