segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Obsessão dos jihadistas com Espanha é perigosa

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Espanha volta a estar na mira dos jihadistas, desta vez com apelos do Estado Islâmico para que as prisões sejam atacadas a fim de libertar muçulmanos. A notícia foi manchete ontem no ABC, jornal conservador que tantas primeiras páginas faz com este tema que parece obcecado com a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Mas a obsessão verdadeira é a dos próprios jihadistas com a Espanha, que na sua retórica inflamada continua a ser o Al--Andaluz que importa reconquistar.
Que a ameaça é real ninguém dúvida desde esse 11 de março de 2004 em que uma célula jihadista fez explodir quatro comboios na estação de Atocha, em Madrid, matando quase 200 pessoas. Continua a ser o mais sangrento atentado islamita na Europa e teve o mérito de alertar as polícias espanholas para uma ameaça que tendia a ser minimizada perante o terrorismo separatista basco.
Hoje, com a ETA desmantelada, a vigilância centra-se nas redes islamitas que usam o país como base de recrutamento. Ainda há dias, o ministro do Interior falava de 61 espanhóis ativos nas fileiras jihadistas, em regra ao serviço do Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
Com 1,5 milhões de muçulmanos no país (sobretudo imigrantes mas também uns 50 mil convertidos), a Espanha tem sido desde 2004 cenário de operações policiais que evitaram atentados mais ou menos prestes a acontecer. Em geral trata-se de células sem ligação real à Al-Qaeda ou, mais recentemente, ao Estado Islâmico, mas inspiradas no ideal de Guerra Santa. Isso não significa que sejam menos perigosas, como o prova os atacantes de Atocha, muitos deles marroquinos a viver em Espanha. Aliás, os lobos solitários são um dos receios da secreta, que procura identificar sinais de radicalização nos elementos da comunidade, cada vez mais à mercê da doutrinação via internet e não na mesquita.
Ceuta, cidade encravada em Marrocos, tem sido um caso especial de preocupação, com várias células desmanteladas. Mas curiosamente o enclave no Magrebe não merece grande atenção da propaganda jihadistas, quando comparado com cidades como Granada (cidade do Alhambra), Córdova (com a famosa mesquita-catedral) ou Saragoça. Esta última até surge em fotomontagens onde se vê o palácio da Aljafería e a bandeira negra do Estado Islâmico.
A presença islâmica em Espanha durou entre 711 e 1492, quando os Reis Católicos tomaram Granada. E os últimos mouros foram expulsos no século XVI, acusados de conspirar com os turcos contra Filipe II.
O absurdo é que aquilo que faz mítico o Al-Andaluz (que incluía também o Sul de Portugal) é o apego à ciência e às artes, o espírito de tolerância com cristãos e judeus, a afirmação de um islão culto e cosmopolita. Ora, nada disto interessa hoje aos jihadistas, mas também não se espere da parte deles racionalidade. E é isso que torna a sua obsessão um perigo.
(Leonídio Paulo Ferreira - Diário de Notícias)


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