quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O fator crítico

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Ulisses ainda não chegou a Ítaca, mas a verdade é que a dupla Tsipras e Varoufakis já conseguiu agitar as águas estagnadas da longa agonia europeia. Varoufakis - que tem um currículo científico que supera o conjunto dos sinais de pensamento publicados pelo conjunto dos seus colegas do Eurogrupo - tem surpreendido pela inteligência. Os mercados (banqueiros, investidores, aforristas) reagiram bem à proposta que relaciona o esforço do pagamento da dívida com a taxa de crescimento. Não foram eles que impuseram o Tratado Orçamental, que condena a Europa a um depressivo inverno de deflação sem fim à vista. Agora Berlim e Bruxelas já não podem usar os mercados como desculpa. Terão de recorrer à força bruta, tentando privar os bancos gregos do apoio de emergência (ELA) do BCE, de modo a forçar uma precoce capitulação grega. A audácia de Atenas tem ajudado a devolver às coisas os seus nomes. A denúncia da troika (mas não das suas instituições e ainda menos das dívidas da Grécia para com elas) ajudou a despertar os europeus para o horror disfarçado de normalidade: a entrada do FMI nos resgates europeus é o mais brutal sinal de uma UE que perdeu a alma. Os memorandos são decalques de "receitas" absolutamente inadequadas para países que já não têm soberania monetária e cambial (como é o caso de todos os membros da zona euro). A troika substituiu o Tratado de Lisboa, onde a soberania nacional é transferida por "atribuição" voluntária para a UE, pelo ultimato da "condicionalidade". Poderemos estar à beira de uma viragem positiva? Gostaria de estar enganado, mas para os milagres é necessário um fator crítico, invisível em quem hoje manda na Europa: a empatia. A capacidade de se colocar no lugar do Outro, de quebrar o lenho retorcido do egoísmo.(Viriato Soromenho Marques - Diário de Notícias)

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