sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Assalto à mão regulada

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Era a EDP ainda estatal e monopolista quando me quis cobrar os consumos não liquidados por anteriores locatários de uma casa que comprei. Para celebrar o novo contrato tive de dar a leitura do contador e, na primeira conta, tungas: desapareceu-me uma fortuna da conta bancária. Como pelo telefone se recusassem a devolver o dinheiro, fui a uma dependência, onde ainda me quiseram convencer de que era de lei pagar consumos alheios. Percebendo-me à beira da luta armada, lá aceitaram devolver o valor - na fatura seguinte. Queriam, pois, um empréstimo a juro zero aqui da magnata, que, graças a competente banzé, não saiu dali sem o pecúlio, até à última moeda - e várias horas perdidas.
Passaram 20 anos. Num mercado "livre", concorrencial e com reguladoras profissionais, deveria ser muito mais fácil para um consumidor fazer valer os seus direitos, não era? Pois. Desbloqueio de telemóveis, por exemplo: lei de 2010 estipula que, após um período de fidelização contratual (não podendo exceder dois anos), a operadora, se tal lhe for solicitado, tem de o fazer de graça. Nem pensar, dizem elas: a fidelização aplica-se ao serviço, não ao aparelho. Ou seja: compra-se um telefone com desconto no âmbito de um contrato de dois anos, contrato esse que obriga a uma mensalidade superior por se comprar o telefone (é assim na Vodafone, por exemplo), mas no fim do mesmo, se pedir desbloqueio, tem de pagar. As reclamações são inúmeras - há até condenações das operadoras em tribunal pela má-fé. Que faz a reguladora do setor, a Anacom? Dorme a sesta.
A ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) não é melhor. Constatei-o em recente queixa sobre estimativas sistematicamente empoladas à qual juntei faturas e reclamações de anos (e respetivas respostas, sempre iguais, da empresa). Pombo de correio eletrónico, a ERSE comunicou-me que comunicara a minha queixa à empresa, e respondeu-me com a resposta desta (idêntica às anteriores). Insisti; sucedeu o mesmo. Intervenção da ERSE: zero. E quando intervém? Piora. Caso das cauções que EDP e Galp cobraram até 1999 na celebração de contratos e que, anuncia-se, são obrigadas a devolver até ao final de 2015, num total de mais de 18 milhões de euros. E que decidiu a ERSE para os termos da devolução? Nada tão simples como as empresas devolverem diretamente aos clientes que mantêm contratos, nem pensar. Têm de ser estes, um a um, a solicitar a devolução (podem não querer, não é?). Como, a Galp explica no site: o "interessado" tem de enviar à empresa, por correio, "original do documento que comprova o pagamento da caução" (o original, deus) solicitando uma declaração da mesma atestando o direito a receber, a qual deve de seguida enviar à Direção-Geral do Consumidor (que ficará com dinheiro não reclamado). Caricatura mais perfeita só a de não ser raro presidentes das reguladoras passarem para as entidades que regulam, ou vice-versa. É o "mercado livre" à portuguesa. (Fernanda Câncio - Diário de Notícias)

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