sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Referencial de ética

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"Esta semana, várias pessoas quiseram dizer que acreditam no PM ou,pelo menos, lhes custa muito a aceitar o contrário. Houve até quem escrevesse que "o cidadão Pedro Passos Coelho justifica mais que o benefício da dúvida. Justifica, nesta matéria, o benefício da confiança."
Foi o diretor do Diário Económico, António Costa, que isto disse. Ora,sendo claro que o PM chegou ao poder a prometer tudo ao contrário do que fez nestes três anos e dois meses de exercício, durante os quais continuou alegremente a (entre outras coisas graves e muito graves) contradizer-se em palavras e atos, supõe-se que a "matéria" à qual o articulista se refere será a do "cidadão", em oposição à do"político". Querendo talvez assim dizer que não lhe relevam para juízo de seriedade e confiança as aldrabices que políticos operam na política, mas sim as que possam cometer fora dela.
É uma perspetiva interessante, esta, que retira à política toda e qualquer veleidade de contar para alguma coisa no julgamento de caráter que se faz dos seus protagonistas, deslocando para fora dela adiscussão que interessa - a quem devemos confiar o nosso voto? - logo dando carta branca a todas as patifarias, desde que "políticas",enquanto se lançam matilhas a cheirar os fundilhos dos "cidadãos" à procura de "podres". Que quem isto pratica venha depois impacientar-se com "a falta de propostas concretas" deste ou daquele não deixa de maravilhar.
Sucede que no caso houve-ou-não-houve-pagamentos-de-5000-euros-por-mês-da-Tecnoforma-a-Passos-enquanto-era-deputado não está em causa "o cidadão Passos Coelho", mas o político. E porquê? Porque ter recebido aqueles valores implicará ter cometido uma dupla fraude, ao não os declarar ao fisco e ao certificar que estava em regime de exclusividade para poder receber um subsídio de reintegração de 30 mil euros ao sair do parlamento, e Passos primeiro-ministro recusou esclarecer. Não sendo crível que não saiba se recebeu ou não, ao remeter para a PGR o esclarecimento, dizendo que "retirará as consequências", não está só a faltar à verdade; está a admitir que pode ter cometido crimes (que, literalmente, suspeita de si próprio), prefigurando a possibilidade de se demitir - mas apenas, note-se este apenas, se alguém conseguir prová-los.
Partindo do princípio de que o PM não está doido varrido só faz, se pode fazer algum, sentido pedir para ser investigado se está inocente - ou se tem a certeza, ou quase, de nada se poder encontrar que prove o contrário (ou que nada vai ser investigado, como sucedeu).
Assim, para além de uma instrumentalização política do Ministério Público sem precedentes em qualquer governante da democracia, tal significa que Passos está, nesta fuga para a frente, como Portas há um ano, a jogar o País ao póquer (já não interessam os mercados?) na perspetiva de "voltar" reforçado para as batalhas - e eleições - que se seguem. Face a tal traquibérnia, as fraudes de que é suspeito são brincadeiras de crianças - mas, lá está: trata-se de "política."
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)


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