sábado, 27 de setembro de 2014

O que Passos escondeu

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"Começo por citar Pedro Passos Coelho ontem na Assembleia da República. O primeiro-ministro disse: "(...) sendo eu uma pessoa remediada...(...)" Ora bem, as palavras contam e uma pessoa remediada conta sempre o dinheiro. Na verdade, todos contamos o dinheiro. A pergunta é, por isso, evidente, politicamente obrigatória: quanto gastou Passos Coelho em viagens e jantares naqueles três anos em que foi presidente do Conselho de Fundadores do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC)?
Não recebeu salário, isso as declarações de IRS que apresentou já o confirmavam e o primeiro-ministro reafirmou-o no Parlamento. Não havendo provas materiais do contrário, a suspeita de um possível crime fiscal, prescrito ou não, está portanto (para já) resolvida, a não ser que surja entretanto algum documento - por exemplo uma série de transferências bancárias - que indiciasse o contrário; mas isso, como é sabido, não há.
Especular sobre a existência de um possível branqueamento de capitais, embora do ponto de vista da investigação seja plausível - pôr cenários, trabalhar hipóteses e relacionar pistas faz parte do trabalho dos investigadores -, não serve para alimentar um debate político demasiado importante para que o deixemos pegar fogo estupidamente. Os danos são (seriam) demasiado grandes, talvez até irreparáveis, e não apenas para o atual primeiro-ministro. Neste, como noutros casos que mexem com a reputação de políticos, mas não só, qualquer pessoa merece esta defesa. A regra é simples: não se fazem deduções, tudo o que for dito tem de ter sempre na base factos verificados e confirmados. embora as perguntas sejam legítimas.
Portanto, o facto é que não há sobre a mesa nenhum acontecimento - a atribuição de um negócio anterior ou posterior - que nos possa levar a concluir que o dinheiro usado por Passos Coelho naqueles três anos tenha sido apenas uma forma de o recompensar por outro tipo de serviços e não para pagar as viagens feitas ao serviço da dita ONG, por mais sombria que ela seja. Não é um detalhe qualquer. Se a discussão pública não for balizada é o próprio infrator que sai beneficiado no meio da confusão e vitimização que se instala.
Se benefício houve do que aconteceu esta semana foi o facto de o primeiro-ministro ter cumprido a obrigação política de se justificar no Parlamento perante os deputados. Passos Coelho fê-lo, não se limitou a responder de raspão a algumas perguntas. Abriu o debate no plenário logo pelo assunto. Não se trata de elogiar esta escolha, aliás obrigatória, mas de sublinhar que não fugiu ao confronto como fizera ao longo da semana, alimentando ainda mais a especulação. O problema é que ficou ainda muito, tanto, por esclarecer. Não há indícios de crime fiscal, muito bem; não há suspeita de branqueamento de capitais, ótimo; mas há uma aterradora dúvida política: Passos Coelho gastou efetivamente cinco mil euros por mês (mil dos velhos contos) durante aqueles três anos apenas para custear viagens ao serviço da ONG?
Mesmo que não consiga apresentar faturas e saldos bancários relativos a um período de tempo tão distante - embora um político batido o faça sempre, e Passos é dessa estirpe -, deveria ter deixado claro se os montantes referidos na denúncia anónima fazem algum sentido. E fazendo sentido, tinha a obrigação de ser muito mais detalhado sobre o quando, o como e o porquê das despesas. Afirmar que pagou quatro ou cinco viagens é manifestamente insuficiente, quase ridículo, para o tamanho das dúvidas e do dinheiro envolvido.
Além disso, para mostrar boa-fé, deveria ainda ter concretizado o trabalho que fizera naquele período de tempo. Infelizmente, saltou por cima de tudo isto como se fosse tudo normal, o que significa que politicamente o caso vai continuar na ordem do dia, numa espécie de hemorragia política destrutiva para todos - sabemos bem como estas coisas são. O primeiro-ministro que não se queixe. Remediado ou não, com ou sem hipotecas para saldar, de férias ao lado do nobre povo, ontem esteve muito aquém das circunstâncias."
(André Macedo - Diário de Notícias)

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