domingo, 20 de outubro de 2013

Para o ano há mais

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"Percebo a vontade que muitas pessoas de esquerda têm de definir o actual Governo e a presente política europeia como de direita: associar a direita a esta loucura, que inevitavelmente resultará em catástrofe, provocará uma quase hegemonia política da esquerda durante muitos anos. Conceitos como reforma do Estado, reformas estruturais, maior liberalização económica, menos Estado na economia, serão olhados como slogans revolucionários e não como propostas válidas e absolutamente necessárias. Que não restem dúvidas: a incompetência e a insanidade revolucionária irão afastar do poder durante muitíssimo tempo políticos que não têm rigorosamente nada que ver com esta gente e propostas ideológicas erradamente associadas ao que estamos a viver.
Torna-se, aliás, penoso ouvir gente do PSD revoltada com o actual estado de coisas e com a consciência de que a linha governamental nada tem que ver com a história e os valores do partido. É que a esmagadora maioria destas pessoas prefere o silêncio ou as meias-palavras. Os militantes do PSD - os que lá estão por convicções e não os meros aparelhistas - já perceberam que princípios políticos, como o sentido reformista, a defesa intransigente da classe média, a luta contra a desigualdade, um Estado forte e regulador, estão a deixar de ser a essência do partido. Existem duas opções: ou param este processo de destruição e declaram alto e em bom som o que dizem pela calada ou ficam num partido que não é o mesmo a que aderiram. No segundo caso é bom que saibam que se arriscam dentro de pouco tempo a estar num partido marginal, mas isso, para o bem ou para o mal, os aparelhistas vão perceber primeiro.
Também se entende a tentativa da gente apoiante deste governo e desta política em definir toda a gente que não concorda com eles como de esquerda. Em primeiro lugar, as trincheiras são fundamentais para os intolerantes, para os sectários, para os revolucionários. Eles ou nós é uma forma de tentar condicionar o pensamento, de apelar a comportamentos tribais quase sempre irracionais. Em segundo é uma maneira de tentar desacreditar dentro de um determinado espaço ideológico as pessoas que não são, nem nunca foram, de esquerda - as que se preocupam com isso, claro está.
Confundir loucura revolucionária, incompetência, ignorância sobre as razões da crise, desconhecimento do país, pulsões punitivas e slogans apatetados do tipo "vivemos acima das nossas possibilidades", com posições ideológicas pode dar muito jeito para a luta partidária, no pior sentido, mas não tem o mínimo de adesão à realidade política-ideológica. Mais, em termos europeus, a política prosseguida pouco tem que ver com verdadeiras opções políticas mas com questões quase de fé, como a suposta preguiça dos povos do Sul. Temos também os grandes objectivos económicos. Neste caso, a ignorância sobre os motivos da crise de, por exemplo, o nosso governo - que comprou a patranha da culpa exclusivamente interna - e a incapacidade de os países mais afectados pela crise financeira global, mais prejudicados pelos erros profundos na implementação do euro e com estados de desenvolvimento económico e social diferentes terem uma posição comum, ajuda decisivamente à hegemonia das posições da Alemanha e seus parceiros.
O Orçamento do Estado para 2014 é tão-só um exemplo da loucura instalada. Alguém continuar a insistir numa política que está a destruir uma classe média inteira, a criar um exército de centenas de milhares de desempregados, a destruir o nosso incipiente Estado social, para depois de 15 mil milhões de euros retirados às pessoas e à economia ter uma diminuição do défice de 2,8 mil milhões é um perfeito absurdo. Diminuir o salário a pessoas que ganham 600 euros mensais é uma infâmia. E o pior é que não serve para rigorosamente nada. Não há a mínima oferta de uma perspectiva de um futuro melhor. Para o ano o défice vai ser igual, mas terão sido destruídas mais vidas e a economia estará mais deteriorada. Para 2015 será o salário mínimo a baixar, as pensões a desaparecer, a saúde e a educação apenas para quem as puder pagar.
Os revolucionários estão quase a construir a nova sociedade. O homem novo está quase a chegar.
Muitas razões contribuíram para este absurdo e provavelmente a inexistência de alternativa à esquerda e o adormecimento, ou melhor, a cobardia dos partidos de direita, não terá sido decisiva. Mas que contribuiu para esta espécie de quarta via revolucionária/suicida não restam dúvidas. Já estamos todos a pagar por isso, mas vai piorar. E, por este caminho, nunca melhorará."
(Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)

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