domingo, 3 de janeiro de 2016

Portas o deu, Portas o levou

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Portas o deu, Portas o levou

1. Corre a versão de que Paulo Portas terá pressentido solidez na solução que apoia o governo e, em grande parte, por isso teria abandonado a liderança do CDS. Não acredito. Posso acreditar que as razões que invocou no discurso em que anunciou a sua retirada tenham tido o seu peso. Pois claro, dezasseis anos são muitos anos à frente dum partido; sem dúvida que deve haver muito cansaço e alguma vontade de ver os novos valores a dar um novo rumo ao CDS (talvez pelas piores razões). Mas quem lavrou a sentença ou, pelo menos, acabou de encher o copo que o levou ao abandono da liderança do CDS foi Passos Coelho.

Paulo Portas resistiu a maiorias de esquerda, a todos os líderes do PSD que sempre o quiseram tornar irrelevante, executou as mais arriscadas acrobacias políticas e ideológicas e sempre conseguiu manter o seu partido e ele próprio de pé. Tudo aguentou, só não resistiu a Passos Coelho. Aquele que toda a gente diz ser o mais sagaz, o mais inteligente, o mais bem preparado dos políticos (e ele é, sem dúvida, tudo isso) foi feito em picadinho por alguém que notoriamente desprezava e a quem não reconhecia qualidades. Paulo Portas, que sempre foi grande de mais para o CDS mas nunca suficientemente grande para liderar o centro-direita português, soçobrou perante aquele que aparentemente mais espaço político lhe abria.

Paulo Portas cometeu exatamente o mesmo erro que praticamente todos os adversários políticos internos e externos de Passos Coelho: subestimou-o. E, como todos, deu-se mal. É que o ex-primeiro-ministro pode ter todos os defeitos do mundo, mas de conquista e manutenção de poder há poucos tão capazes como ele.

Portas sabe melhor do que ninguém que os últimos quatro anos desfizeram o CDS e Portas como alternativa ao PSD. Os danos provocados pelos constantes humilhações pública a que Passos Coelho sujeitou o CDS (a expressão TSU deve constar em todos os pesadelos de Portas), as linhas vermelhas que o ex-primeiro-ministro sistematicamente o forçou a apagar, a forma como Passos Coelho obrigou Paulo Portas a decretar o fim do partido do contribuinte, do pensionista, foram fatais. Com que cara poderia agora aparecer Paulo Portas se se atravesse a reivindicar outra vez essas bandeiras? Que autonomia política podia agora o CDS invocar sob a liderança de Portas? Que lembrança de mínima diferença programática do CDS em face do PSD tem o eleitor? Há de facto, uma diferença goste-se ou não, Passos Coelho sabe o significado da palavra irrevogável.

2. E agora? É bem verdade que Paulo Portas conseguiu formar ótimos quadros políticos. Chega, aliás, a ser perturbante a diferença de qualidade a esse nível entre o CDS e o PSD. Não há nenhum quadro político da nova geração do PSD - e apenas dois ou três mais antigos - que sequer se compara em termos de preparação, cultura e capacidade política a Adolfo Mesquita Nunes, Nuno Magalhães, Assunção Cristas, Diogo Feio, João Almeida, Francisco Mendes da Silva, Vera Rodrigues, Michael Seufert, Cecília Meireles, Filipe Lopo de Ávila ou Vânia Dias da Silva. Só que o partido está desacreditado e nenhuma destas personalidades tem ainda a dimensão política para reposicionar estrategicamente o CDS, pelo menos a médio prazo.

Não há quem não saiba que está em curso um processo de redefinação política e ideológica do centro direita. Paulo Portas, apesar de todas as suas qualidades e da capacidade de se reinventar e ao seu partido, quase certamente não seria capaz de o fazer de novo, mas não parece que alguém no CDS seja, num futuro próximo, mais capaz do que ele.

Mais, pôr quem quer que seja daquelas personalidades - lamento, mas não consigo levar a sério a possibilidade Nuno Melo - a lutar com Passos Coelho pela ocupação do mesmo espaço político é dum otimismo que roça a inconsciência. Imaginar que Paulo Portas pensa que algumas das pessoas que podem liderar o CDS podem fazer frente a Passos Coelho e à máquina do PSD é insultar a enorme inteligência do ex-jornalista. No fundo, Portas criou excelentes políticos, mas deixa-os órfãos na altura decisiva da carreira política deles e numa luta crucial para o seu partido.

Das duas uma: ou pensa que há possibilidade de uma daquelas figuras reinventar o partido (algo que, repito, não acredito que ele acredite) ou, pura e simplesmente, preferiu decretar o fim do CDS como partido com importância no nosso quadro político.

Há que dizer que Portas conseguiu entregar o partido com um grupo parlamentar numeroso. Não há quem não saiba que se o CDS tivesse concorrido sozinho às últimas eleições não teria nem metade (para ser simpático) dos deputados que hoje tem. Mas esse facto pode ter mais do que uma leitura, digamos que Portas que Portas não quis abandonar a liderança depois duma derrota humilhante: deixa-a para o seu sucessor. Numa altura decisiva, num momento particularmente para o partido, Portas deixa o partido porque a sua ambição ainda não está satisfeita, e ele bem sabe que no fim deste ciclo político a sua saída seria particularmente humilhante e possívelmente fatal. Nada mais legítimo do que olhar primeiro para si do que para o partido. No fundo, foi ele que fez este CDS e é ele que o desfez. (Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)

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