Os prazos são importantes, mas a pergunta que a decência manda colocar é esta: por que é que estamos a discutir prazos? Neste momento não deveríamos estar a discutir a substância, isto é, as provas? Um ano e meio depois de deterem, de prenderem; um ano e meio depois de tudo fazerem para tentar aterrorizar, depois de montarem, por acção ou negligência, uma formidável campanha de difamação, não mandaria a lei e a responsabilidade que apresentassem as provas do que insinuaram sem concretizar? A verdade é que não apresentam provas porque não as têm; nunca as tiveram. E não as têm pela singela razão de não poder haver provas do que nunca aconteceu.
Esclareçamos, também, um outro ponto: Estado de direito não significa só por si Estado democrático. Quando em democracia entregamos ao Estado, segundo a definição clássica, o monopólio do uso da violência legítima, impomos-lhe barreiras que em nenhum caso pode ultrapassar quando age contra um indivíduo. Entre outras, a da legalidade, da proporcionalidade, do respeito integral pelas garantias e direitos. Quando estas barreiras são ultrapassadas, a violência contra as pessoas deixa de ser legítima e o que sobra é terrorismo de Estado.
Vamos então à questão dos prazos, começando por recordar o que se passou. Primeiro detiveram dizendo que tinham provas definitivas e concludentes. Três meses depois, a prova estava "consolidada". Aos seis meses, estava "consistente" e "robusta". Nove meses depois, estava ... sei lá, de betão armado. Dezasseis meses depois, nem factos, nem provas, nem acusação. Agora querem mais seis meses, e depois se verá. Até onde levará o Ministério Público tal abuso?
O Ministério Publico dirá que tem esse direito. Não, não tem. O prazo máximo de inquérito foi fixado pelo juiz de instrução e pelo Tribunal da Relação: 19 de Outubro de 2015. Findo este prazo, diz a lei, o procurador responsável comunica ao superior hierárquico que o prazo foi violado - isto é, que a lei não foi cumprida -, e esse facto deve ter consequências. O superior hierárquico pode então fazer uma de duas coisas: avocar o processo ou fixar novo prazo. Pois bem, desde 19 de Outubro que o diretor do DCIAP não fez nem uma coisa nem outra. Começou por dar um prazo de um mês para ser apresentado um relatório; decorrido quase mês e meio, fixou novo prazo de três meses para... fixar o prazo final. Mais de uma semana depois de esgotados estes três meses, o gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República informa que o diretor fixou "o prazo limite necessário para concluir o presente inquérito". Mas, maliciosamente, esconde nova violação da lei, omitindo que, na parte final do despacho, o diretor previu já que "razões excecionais, devidamente justificadas e fundamentadas, poderão servir de base à fixação de outro prazo".
O que mais impressiona é a facilidade e ligeireza com que o Ministério Público colocou esta investigação fora da lei. Violado o prazo máximo de inquérito o diretor do DCIAP devia ter avocado o processo ou marcado outro prazo - a lei não lhe permite outra coisa. Marcar prazos para definir o novo prazo final, como já por duas vezes havia feito, foi ilegal. Como é ilegal marcar um prazo final sujeito a adiamentos excepcionais: quando o procurador responsável pelo processo o definiu como de excepcional complexidade, obtendo por isso o dobro do prazo de um processo normal, estava já na altura a invocar as mesmas razões excepcionais. Com tantas razões excepcionais, não se darão conta os responsáveis do Ministério Público - e desde logo a Senhora Procuradora-Geral - que estão, pura e simplesmente, a transformar um processo que devia ser igual aos outros, num processo, esse sim, excepcional?
O Direito Penal democrático exige regras claras e previamente definidas. O único direito natural que pode ser invocado são os direitos humanos. É essa a razão para que ninguém possa ser julgado com base em lei retroativa ou investigado com procedimentos definidos arbitrariamente na ocasião. É essa a razão por que os prazos não podem estar na discricionariedade do Ministério Público. Fazem parte das regras do jogo, dos direitos de defesa, das garantias do processo equitativo. Aceitar estes prazos como indicativos significa aceitar a discricionariedade, o duplo critério e a suspeita de que o Ministério Público não trata todos os processos por igual. E conduz ao que estamos a ver - a um processo em tudo excepcional.
Na economia deste artigo, não posso fazer a descrição e crítica dos inúmeros abusos e atropelos cometidos. Mas, registando os gestos singulares que se têm expressado criticamente, quero deixar uma palavra sobre a indiferença. Todas as prepotências e abusos contaram sempre com ela como aliada política. As ditaduras sempre a tiveram como "companheira de estrada". Ela não protesta, não resiste, não critica. Toda ela é passividade e abulia. Na verdade, a indiferença nega o que há em nós de melhor, a coragem. Na bela fórmula de Gramsci, ela é "o peso morto da história". Talvez estejam a contar de mais com ela. Não, não me parece que haja tantos indiferentes.(José Sócrates - Jornal de Notícias)
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