"1-Os governos não são eleitos para resolver problemas de lana-caprina. O colapso dum grande banco, duma instituição financeira onde se encontrava cerca de um quarto da riqueza nacional, é uma questão que tem de ser tratada diretamente pelos que elegemos para conduzir os destinos da comunidade. Nunca passando a responsabilidade dum problema desta magnitude para outras entidades. Muito menos para o Banco Central.
É evidente que o Banco de Portugal poderia apoiar o governo na resolução dos vários problemas, nomeadamente na questão da reprivatização, mas nunca ser o responsável pelo processo. Mas em que parte do mundo um regulador se transforma num vendedor? Em que parte do estatuto dum banco central consta as funções de mediação de negócios? Alguém é capaz de nomear um negócio que Carlos Costa tenha organizado - compra da casa e do carro não contam? Agora querem que tenha competência e experiência para fazer um negócio de muitos milhões? Por outro lado, pôr um regulador a vender uma entidade que depois vai ter de regular é um disparate sem nome.
Se encararmos a venda do Novo Banco como um assunto político - que o é -, jamais deveria ser a entidade que regula os bancos a tratar do assunto; se olharmos para a questão em termos de negócio, nunca poderia ser uma instituição que não tem como função ser uma Remax de bancos a tratar do assunto.
Os erros de base para a resolução do dossiê NB começaram aqui. Mas o pior foi a intenção por detrás dessas decisões: gerir com objetivos eleitorais um problema que afeta duma maneira vital a comunidade. Alijar a questão para o Banco Central, de forma a que se existissem prejuízos se desse a ideia de que a responsabilidade não era do governo.
Incompetência e eleitoralismo formam um cocktail mortal e, desta vez, correram contra quem o misturou e contra os do costume: nós, está claro. Carlos Costa, qual Jorge Mendes de aviário, não conseguiu gerir bem o dossiê de venda, e ficou absolutamente claro, a meia dúzia de dias das eleições, que, como era óbvio desde o início do processo, as perdas para a comunidade vão ser avultadas - digamos que eleitoralmente para a coligação PAF não será um tema fácil.
Mais, e ainda pior, é cada vez mais evidente que Vítor Bento tinha razão quando defendia que era preciso mais tempo para vender o banco e que era preciso capitalizá-lo para o valorizar. Numa palavra: a solução governo/Carlos Costa vai sair muito mais cara aos contribuintes.
A mentira, mil vezes repetida, de que os portugueses não iriam ter de pagar nem um tostão e as tentativas de mascarar o óbvio irão resultar em prejuízos ainda maiores. E foi uma mentira estúpida. Estúpida porque, por muito que nos custe, não há memória, em qualquer época, de que um problema desta dimensão não acarrete encargos para os cidadãos. Infelizmente, todos o sabemos.
Mas, não fossem a incompetência e o eleitoralismo suficientemente graves num processo deste interesse público, temos agora um primeiro-ministro que lança campanhas de subscrição. Custa a acreditar, mas é mesmo verdade: "Organizarei uma subscrição pública para os ajudar a ir a tribunal." Deve ser a primeira vez na história que um primeiro-ministro sugere uma angariação de fundos para um problema que ele tem, pelo menos, de ajudar a resolver. Por este caminho, ainda o vou ver lançar campanhas de recolha de fundos para os desempregados que não têm acesso ao subsídio de desemprego, outra para não deixar fugir os jovens do país, outra para ajudar a arranjar os 600 milhões para a Segurança Social ou até substituir a recolha de impostos por operações de crowdfunding.
Já tínhamos um primeiro-ministro que não quis resolver um problema que só o seu governo devia tratar, que nos vai fazer uma conta maior do que a que já sabíamos ir ter de pagar por causa dos seus cálculos politiqueiros, só faltava mesmo um primeiro-ministro que acha que deve organizar operações de caridade pública em vez de tentar resolver os problemas da comunidade.
Em vez de um primeiro-ministro temos um organizador de peditórios. Às tantas, Passos Coelho está a candidatar-se ao lugar de Isabel Jonet e ninguém se tinha apercebido.
2-Esta semana correu bem ao líder do PS. O debate deu um novo impulso à sua campanha e motivou os seus seguidores.
Costa e os socialistas não esperariam é pelo bambúrrio que foi o aparecimento do ex-doutor Miguel Relvas como comentador. Não serão precisas grandes explicações sobre a imagem do ex-ministro junto do eleitorado. Rever o cavalheiro fez-nos lembrar as suas peripécia pouco edificantes. Digamos que a coligação PAF não deve ter gostado muito de que as pessoas voltassem a lembrar-se de que Miguel Relvas foi ministro deste governo e uma das suas principais figuras.
Das duas uma: ou Relvas acha que as pessoas se esqueceram dele e considera que a sua imagem está recuperada ou quer contribuir para uma possível derrota eleitoral do partido de que é militante. Agora escolha."
(Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)
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