Da investigação do processo Casa Pia à forma como foi condenada a mãe da pequena Joana. Da perseguição aos McCann à medida que aplicou uma pena de cadeia, em vez de multa, a Isaltino Morais. Do arrastamento até à insanidade do caso BPN à ilibição de João Rendeiro num dos inúmeros processos saídos da falência do BPP. Da impossibilidade em compreender o que justifica o sucateiro Manuel Godinho levar com 17 anos e meio de prisão (e Armando Vara cinco) ao espanto de um mesmo juiz permitir a Ricardo Salgado estar em liberdade, a troco de uma caução de três milhões de euros, mas também decidir manter em preventiva, desde novembro, José Sócrates.
A justiça em Portugal, para famosos ou para quem tem o azar de chegar à fama, palpita, numa taquicardia imprevisível, entre a incompetência e a coragem, a preguiça e a determinação, a imoralidade e o moralismo, a manipulação do público e o corporativismo, o populismo e o servilismo, a obsessão e o desleixo, o favorecimento e a arbitrariedade. São inúmeras as provas para demonstrar este crime de incongruência recorrente.
Em comum com a dos anónimos a justiça dos famosos só tem três coisas: a morosidade exasperante, sustentada em custas judiciais proibitivas, que desembocam em decisões que já não servem a ninguém; o hermetismo bacoco que a torna incompreensível e a defesa de uma falsa independência com que se refugia do olhar crítico da sociedade. Para famosos e para anónimos, porém, a justiça desfaz-se sempre num fantasma, não existe.
José Sócrates, para recusar a oferta de prisão domiciliária anilhada com pulseira eletrónica, relata: "Seis meses sem acusação. Seis meses sem acesso aos autos. Seis meses de uma furiosa campanha mediática de denegrimento e de difamação, permitida, se não dirigida, pelo Ministério Público". É isto verdade?... É.
É cristalinamente verdade. É repetidamente verdade em inúmeros outros casos. É uma verdade permitida pela aplicação de uma falácia chamada segredo de justiça.
José Sócrates pode ser mais do que um tipo que queria viver acima das possibilidades, cravado de dívidas, pode vir a ser condenado por todos os crimes e mais algum, pode ser mesmo um grande bandido. Mas aquela razão já ninguém lhe tira.
Sempre vi José Sócrates, Isaltino Morais, Armando Vara, Ricardo Salgado ou João Rendeiro como células do cancro corruptor que destrói o equilíbrio da sociedade e do país, instrumentos funcionais de opressão e exploração sobre excluídos da sorte. Dou por mim a sentir um impulso humanitário de olhar para eles como vítimas... Só mesmo a justiça portuguesa consegue pôr um comuna a ter pena de banqueiros e políticos burgueses. Que desespero!
(Pedro Tadeu - Diário de Notícias)
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