"1Não restam dúvidas, é uma vitória política retumbante. As conceções alemãs, abraçadas pelos decisores europeus, nuns casos por cobardia, noutros por nada terem para propor de alternativo, ou por pura convicção - caso do governo português -, e interpretadas pela troika, impuseram-se. E não chegou mostrar que se podia ditar essa vontade, foi preciso esmagar, humilhar, mostrar que ai de quem não se submeta.
O governo grego recuou nas suas posições até limites impensáveis, limites que ultrapassavam as suas mais reluzentes linhas vermelhas. Aceitou mesmo participar numa pantominice onde se discutiam tolices do género de mais 1% de IRS e menos de IRC, ou se ainda mais cortes na despesa social ou aumentos de impostos produziriam algum efeito benéfico numa economia destruída, ou fingisse que se podia viabilizar um país que tem uma dívida de 180% do PIB sem falar dela sequer. Uma farsa que durou meses e que passa à história como um dos grandes momentos de nonsense político. Discutiu-se assim se se devia tomar uma dose maior ou menor de um medicamento que inevitavelmente acabaria por matar o doente. Houve, por outro lado, analistas de jornais como o Financial Times, Economist, Daily Telegraph (só para falar de perigosos bastiões de extrema-esquerda) que realçaram as posições moderadas iniciais que o governo grego trouxe para a mesa das negociações. Ambrose Evans Pritchard, colunista e editor de economia do Telegraph, notório conservador e defensor convicto da economia de mercado, escrevia que o governo grego tinha feito propostas racionais, razoáveis, justas e proporcionadas.
Mas é evidente que não estamos no campo do estudo das alternativas económicas ou da racionalidade financeira, é de política pura e dura de que se trata. Pouco importa o que tenha acontecido nas reuniões de ontem ou o que resulte do referendo do próximo domingo, o efeito político está criado, a mensagem política está transmitida: destrói-se definitivamente a Grécia e ninguém mais se oporá ao diktat, implode-se uma comunidade e ninguém correrá o risco de votar em partidos que não defendam esse caminho.
O referendo é a única concessão que os decisores europeus, no fundo, deixaram aos gregos: a de optar pela forma de suicídio. Se escolherem o pacote, escolhem mais do mesmo, ou seja, a destruição mais lenta; se não o aceitarem, saem do euro e fica já instalado o caos - e não vai haver cofres cheios que nos livrem das ondas de choque que vão acontecer, por muito que os nossos patrões alemães tentem proteger os seus mais atentos e reverentes criados.
Não há evidência de que a receita imposta não resultou e, pelo contrário, aprofundou a destruição de um país - e o empobrecimento brutal, o desemprego enorme, a emigração em massa em grande parte da Europa - que faça hesitar os decisores europeus; não há risco premente de fim do projeto europeu que provoque um piscar de olhos nestes revolucionários inconscientes; não há previsível terramoto geopolítico que pare estes fanáticos.
Esqueçam o mínimo de capacidade dos cidadãos em definir o futuro ou de influenciar o projeto europeu: esta Europa ou nenhuma.
O processo grego e o caminho que a Europa tomou está a deixar uma terrível alternativa em aberto, uma possibilidade impensável e que contraria as bases mais profundas do mais extraordinário projeto que os povos europeus desenvolveram ao longos dos seus já muitos séculos de história e que conduziu a pouco prováveis várias décadas de paz e de prosperidade: a questão da democracia. Impondo-nos esta Europa, recusando-nos a hipótese de es-colhas, obrigam-nos a optar entre Europa e democracia. Melhor, dizem-nos, talvez inconscientemente, que para que a democracia se mantenha a Europa não é viável. É onde estamos a chegar. E o pior é que não pode haver dúvidas sobre qual tem de ser a opção.
Pois é, a vitória política alemã pode, e é muito provável que seja, ou a derrota do projeto europeu ou o princípio do fim da democracia na Europa.
2 O Supremo Tribunal dos Estados Unidos considerou ilegais as normas que proíbem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, passando assim a ser legal em todos os estados da União.
Zangamo-nos muitas vezes com os Estados Unidos. Irritamo-nos por pensarmos que, com o seu poder, podiam fazer mais pelo mundo. Confundimos, justa ou injustamente, a ingenuidade dos americanos com prepotência, o seu voluntarismo com arrogância. Percebemos mal as suas idiossincrasias, os desequilíbrios sociais, a violência, o individualismo. Mas só uma grande cegueira, um enorme preconceito poderá negar que aquela terra e aquelas gentes têm um profundo amor pela liberdade, pela democracia, pela defesa dos mais sagrados direitos do homem. Sexta-feira voltaram a mostrar tudo isso.
Quando tudo à nossa volta corre mal, há algum alívio em pensar que os Estados Unidos são a maior potência mundial e que são como são.
Deus abençoe a América, terra dos livres."
(Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)
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