sexta-feira, 5 de junho de 2015

Diamantes a brutos

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Na terça-feira, foi tornada pública uma carta aberta ao presidente de Angola, solicitando-lhe que "desista do processo" contra o jornalista Rafael Marques, condenado em 28 de maio a seis meses de prisão com pena suspensa por denúncia caluniosa e difamação num processo instaurado por sete generais da nomenclatura político-económica angolana e relacionado com o seu livro Diamantes de Sangue, que descreve violações de direitos humanos nos territórios diamantíferos dominados pelos ditos generais. Nos 71 signatários, sobretudo anglo-saxónicos (nem um português), incluem-se o realizador americano Steve McQueen (autor de 12 anos Escravo), a empresa joalheira Tiffany e mais duas do mesmo ramo, o secretário-geral dos Repórteres sem Fronteiras, o fundador da Wikipédia e Mariane Pearl, a viúva do jornalista Daniel Pearl, raptado e decapitado no Paquistão em 2002.
Há vários motivos para esta carta ser notícia em Portugal. A notoriedade dos signatários, desde logo, assim como referir-se a Angola e a um caso relacionado com liberdade de expressão e informação - assunto tão caro aos media nacionais, ultimamente em guerra contra o que apelidam de tentativa de censura na cobertura das campanhas - e com um livro publicado por uma editora portuguesa, a Tinta da China. Mas igualmente relevante é o facto de solicitar a José Eduardo dos Santos que desista de um processo no qual não é queixoso. Em Angola, como em Portugal, a Constituição estatui a separação entre poder executivo e judicial, o que significa que o PR só pode comutar penas ou conceder indultos. Ou seja, pode amnistiar Rafael Marques, mas não "deixar cair" processos, que é o que a carta lhe pede. A situação, aliás, é tanto mais bizarra quando os autores da queixa tomaram a iniciativa de dela desistir, num acordo amplamente noticiado com o arguido - levando-o a prescindir de apresentar testemunhas, para a seguir ser surpreendido por uma condenação que lhe impõe também retirar o livro de circulação.
Ao apelar ao presidente para que "se assegure de que os princípios da lei internacional são aplicados durante o processo de recurso" quando ele está impedido, pela lei do seu país, de interferir na justiça, a carta assume e propala aquilo mesmo que Rafael Marques se tem empenhado em denunciar nos últimos 20 anos: a autocracia de Dos Santos e do seu círculo. Uma ironia mais num processo que levou o governo americano (o português moita) a dizer-se "profundamente dececionado com a condenação de Rafael Marques" e a UE a exprimir desejo de que a sentença seja revista, aumentando desmedidamente a notoriedade do jornalista e do seu livro. Disponibilizado gratuitamente pela Tinta da China (a qual já fez saber que não tenciona deixar de o publicar, pois a justiça angolana não tem jurisdição em Portugal) na net, Diamantes de Sangue contabilizou mais de 65 mil downloads na versão portuguesa, estando desde há uma semana e meia também acessível em inglês.
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)


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