terça-feira, 9 de junho de 2015

O direito à infância

-
Se o Partido Socialista ganhar as eleições legislativas, acabam os exames do 4.º ano. As crianças não votam, mas agradecem. Os pais também. Alguns, pelo menos. Fica assim terminada uma originalidade portuguesa, a crer nas palavras de António Costa, ontem aos microfones da TSF. "A antecipação [dos exames] para idades tão precoces não tem sido uma boa solução", afirma o secretário-geral do PS, anunciando estar apenas à espera do parecer do Conselho Nacional da Educação para assumir posição definitiva.
A originalidade do exame para as criancinhas tem autoria: Nuno Crato. Há a necessidade de fomentar uma cultura de avaliação desde cedo, argumenta o ministro. A originalidade, contudo, está aqui: somos o único país da União Europeia com exames no 4.º ano. Os parceiros comunitários, que nos servem de modelo em tantas matérias, negligenciam a avaliação dos seus alunos? Claro que não. Crato confunde avaliação com exames - e isso é um mau sinal, vindo do responsável da pasta da Educação.
Avaliar os alunos no fim do 1.º ciclo não implica criar todo um cenário de rigor, quase marcial, obrigando "as jovens almas censuradas" , como dizia Natália Correia, a abandonar o seu espaço escolar e a deslocar-se a outro estabelecimento de ensino, supervisionadas por professores que nunca viram na vida. Isto é encenação, reminiscência do tempo da Ditadura em que poucos faziam o exame da quarta classe (o primeiro e, para muitos, o único). E esse exame decorria numa escola, na sede do concelho, o que obrigava os mais pobres dos pobres a pedir roupa e calçado emprestados para os seus filhos manterem alguma dignidade.
Dos nossos filhos queremos que aprendam, e bem. Mas que continuem crianças. O que se passa nas escolas e em muitas casas portuguesas é a "formatação" de adultos pequeninos. Na ânsia do sucesso, exige-se sobredotados a Matemática, só assim poderão ser médicos. E que falem fluentemente inglês, pois que frequentem um instituto: depois protesta-se com o professor, na escola, por repetir aos nossos filhos o que eles já sabem (esquecendo-se, enfim, que há alunos sem possibilidades de pagar o instituto). No final do 6.º ano, a preocupação é a média (é uma vergonha não ter cinco a tudo e primar pela ausência no quadro de honra)... A meio do ano, já se visita a melhor escola da zona. Faz-se a pré-inscrição na porfia infinda do sucesso. Afinal, esquece-se o essencial: os nossos filhos são crianças, não devemos roubar-lhes a infância. (Paula Ferreira - Jornal de Notícias)



Sem comentários: