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"1 Em entrevista ao Público, António Costa defendeu a criação de um novo instituto, uma nova categoria jurídica chamada "dúvida fundada". Diz o líder dos socialistas: "Sempre que houver uma dúvida fundada por parte do Ministério Público relativamente à prática de qualquer ilícito por parte de um membro do governo, isso implica necessariamente a cessação de funções por parte desse membro do governo." O ex-presidente da câmara esclarece o que entende por dúvida fundada: "Confio que o procurador-geral da República comunique, no devido momento, que entende que existem dúvidas fundadas que aconselham à cessação de funções." Ou seja, o procurador liga ao primeiro-ministro e diz-lhe que há suspeitas sobre a conduta de um qualquer membro do governo. Não lhe diz, claro está, quais são, pois o segredo de justiça assim lho impõe; o primeiro-ministro também não pode perguntar, pois estaria a interferir no funcionamento do Ministério Público e a desrespeitar a separação de poderes.
Assim, segundo esta novidade jurídica, melhor, esta coisa político-jurídica, ou assim mais ou menos, de António Costa, bastaria a tal comunicação por parte do procurador para que um membro do governo cesse imediatamente as suas funções. Toda a confiança política de António Costa nesse homem ou mulher termina porque o procurador lhe diz que há "dúvidas fundadas".
É, de facto, toda uma nova ideia de separação de poderes, de um novo papel para o Ministério Público e de uma nova conceção sobre alguns direitos dos cidadãos.
O ex-ministro da Justiça defende um novo poder para o Ministério Público: o de demitir membros do governo, para tal basta uma chamadinha para São Bento. Espero uma homenagem pública de António Costa a Marques Mendes, é que o ex-líder do PSD foi muito criticado, e bem, por sugerir que um titular de um cargo público se devia demitir se fosse constituído arguido. António Costa ultrapassou-o a toda a velocidade: basta-lhe a "dúvida fundada". Temos também um novo método de condenação, já não é preciso julgamento num tribunal, não há necessidade de contraditório, de o cidadão ser sequer ouvido, nada: a tal dúvida condena imediatamente o cidadão político à cessação de funções. António Costa confiará na avaliação do procurador, essa nova função judicial a cargo do Ministério Público.
O ex-ministro da Justiça não esclarece, mas será que devemos depreender que, se o procurador lhe telefonar a dizer que há uma suspeita fundada em relação ao primeiro-ministro, ele se deve demitir? Parece que sim. E, já agora, se afinal o tal político for inocente, como é que ficamos? Será que a dúvida fundada do procurador é uma espécie de sentença transitada em julgado, sem hipótese de recurso?
Convém lembrar de novo: António Costa foi ministro da Justiça.
Como é do conhecimento geral, Costa é dos que não veem problemas na Justiça e é mesmo um dos campeões do nosso conhecido brocardo "à política o que é da política e à justiça o que é da justiça". Se estas suas novas ideias constituem exemplo do que ele entende por separação de justiça e política e do que deve ser o caminho para melhorias na justiça, estamos conversados, muito conversados mesmo.
2 Não, não são 300 000, nem 350 000, nem sequer 400 mil, em quatro anos saíram de Portugal 485 128 portugueses. Os dados são da Pordata e é absolutamente chocante que a notícia não faça aberturas de telejornais, não encha primeiras páginas de jornais, não preencha debates radiofónicos. Não de vez em quando, mas de forma constante até que toda a gente fique ciente do drama que estamos a viver como comunidade.
Temos muitos problemas, uns antigos, outros recentes. Corremos o risco de o desemprego estrutural estabilizar em números terrivelmente altos, temos um significativo aumento de pobreza, mas nenhuma brutal crise como este autêntico êxodo de portugueses.
Chega a ser revoltante assistir a gente próxima do governo a desvalorizar esta realidade dizendo que este fenómeno sempre esteve presente - como se o convívio com uma doença tal se pudesse tornar suportável - ou se alguma vez na nossa história recente os números fossem desta dimensão. Como também é chocante que a oposição fale deste assunto juntando-o de forma leviana a tantos outros.
São 485 128 portugueses que saíram, não, sequer em pequeníssima parte, para se valorizarem, como dizia um pândego secretário de Estado. Não, são gente de que Portugal desistiu, que, mesmo assim e mostrando que a vontade deles é regressar, ainda dizem em número significativo que voltarão. Mas voltarão como, se lá fora há soluções para a sua vida que não encontram cá?
Como é possível falar-se da questão da demografia como prioridade, e não tocar sequer no problema da emigração, como a coligação fez quando apresentou as linhas gerais do seu programa? Será que esqueceram que os homens e mulheres que emigram são na sua quase totalidade gente na idade de procriar, que terão os seus filhos no estrangeiro? Que esta fuga em massa contribui de forma decisiva para o envelhecimento da população? Que estamos a desperdiçar as pessoas que poderiam ajudar o país a dar a volta? Que a gente que abandona o país está na força da idade, no auge das suas potencialidades?
É à nossa morte como comunidade que estamos a assistir e olha-se para isto como se fosse apenas mais um problema."