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"1. Talvez a comunidade esteja disponível para discutir se devemos ter uma Segurança Social como a que temos; se tem de ser mudada, se a proteção no desemprego deve ser assegurada pelo Estado, se devem ser as pessoas a escolher que tipo de pensão vão ter e quem lha vai pagar, se os privados devem ter o papel central, os tipos de financiamento possíveis e todos os demais aspetos que envolvem o modelo. Mais: provavelmente, os problemas que conhecemos, a crise da natalidade, o envelhecimento, a crise económica e outros, obrigam a que essa discussão seja feita.
Como é desejável, um governo deve ter uma posição sobre a questão e tomar medidas no sentido que considera o apropriado. Mas há outras coisas que não pode fazer. Não pode mudar o modelo como o conhecemos apenas porque é governo. Este tipo de Segurança Social é um pilar fundamental do Estado social e, dito de forma muito simples, é nesta forma de organização social, bem ou mal, que a nossa comunidade resolveu viver.
A mudança radical deste sistema, dos seus fundamentos e até dos seus próprios meios de financiamento constituiriam uma mudança do contrato social. Assim sendo, não pode ser uma maioria conjuntural a definir uma mudança em algo de estruturante da nossa comunidade.
Mas se este ou qualquer governo acha que tem de se mudar radicalmente ou, pelo menos, de forma substancial, tem de enunciar a questão, de afirmar ao que vem de peito aberto, de mostrar estudos, de lançar o debate, de apontar caminhos alternativos. Algo, por exemplo, mais elaborado do que dizer que se reduz a TSU e depois a diminuição de encargos das empresas se encarregará de criar mais empregos que gerarão mais dinheiro para a Segurança Social. Não é ser picuinhas, estes assuntos exigem bem mais do que coeficientes de queixos. Não é mais uma estrada ali ou acolá que está em causa, ou de mais um imposto sobre isto ou aquilo: discute-se parte importante do financiamento duma organização que gere a solidariedade social, que é responsável pela condução do esquema escolhido como forma das gerações se entreajudarem, dos mais desprotegidos serem apoiados, dos mais desfavorecidos serem ajudados. Mas, mais do que tudo, há algo que o governo não pode mesmo fazer: esconder propósitos numa área tão importante. Não pode tomar medidas que, objetivamente, contribuem para o fim de um modelo e, mais tarde, vir dizer que tem muita pena, que fez tudo o que estava ao seu alcance, mas não correu bem - claro que não há ninguém que possa dizer que a redução da TSU para as empresas gerará mais emprego, que compensará a quebra das receitas para a Segurança Social, tão-somente porque é uma rematada falsidade ou, no mínimo, ignorância. Espero muito sinceramente estar enganado, mas estes remoques disfarçados de propostas ou propostas disfarçadas de remoques sobre a redução da TSU para as empresas, uma semana antes de se anunciar um corte de 600 milhões de euros em pensões e no que mais se verá, são sinais claros de que há uma vontade não declarada.
Há sempre da parte de quem governa um dever de transparência, de clareza nas intenções, mas no caso de traves mestras da comunidade tem de haver um especial cuidado. Proponham-se revoluções, mas não se tente fazê-las à socapa e depois apresentá-las como facto consumado.
2. Será que os empresários consideram a descida da TSU algo de fundamental para o crescimento do volume de negócios e dos lucros das suas empresas?
Não, não consideram e estou certo de que, se lhes perguntassem, se tivessem de escolher dez medidas importantes para as suas empresas, esta não entraria - algo de diferente é perguntar a qualquer cidadão se gosta de pagar mais ou menos impostos ou contribuições. Então porquê?
Reduzir a TSU para os empregadores ajuda a melhorar a produtividade - muito provavelmente o maior problema da nossa economia? Também não. Diminuir os custos de trabalho não gera mais qualificação, mais formação, mais investimento em tecnologia, mais capacidade de gestão, melhor organização e métodos. Então porquê?
Baixar a TSU para os empregadores ajuda a melhorar a competitividade? Sim, preços mais baratos ajudam a competir. Mas pensava que já tínhamos chegado à conclusão de que concorrer com uma proposta de valor baseada no preço, num mercado globalizado, é um suicídio. Que isso será entrar numa competição em que chegaremos à conclusão de que para vendermos teremos de produzir com menos qualidade e pagar aos trabalhadores meia malga de arroz. Não há um consenso sobre a necessidade de gerar produtos e serviços com elevado valor acrescentado? Então porquê?
Diminuir a TSU gera mais emprego? Mas alguém acredita que o custo de contratar um trabalhador é um dos fatores decisivos para a decisão? Será que um empresário vai colocar mais gente na empresa porque paga, nas atuais circunstâncias, menos de TSU ou porque há mais negócio ou o quer expandir? A TSU ia baixar assim tanto? Claro que o impacto dessa descida no emprego ia ser limitadíssimo. Então porquê?
Ainda acha que não há mesmo uma intenção não declarada?"