domingo, 9 de março de 2014

O bafo do Minotauro

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"No prefácio ao Roteiros VIII, ontem divulgado pelo Expresso, o Presidente da República não podia ser mais claro: depois de todos os cortes, de todas as subidas de impostos, de todo o desemprego criado, de toda a emigração forçada, de todas as falências, as nossas contas públicas continuam desequilibradas.
A boa notícia é que há uma fórmula que as equilibrará; a má, é que essa fórmula é impossível. Para que não restem dúvidas: toda a devastação criada serviu para rigorosamente nada.
Bem sabemos que o humor não é o forte de Cavaco Silva, mas até ele não terá deixado de sorrir ao escrever que "pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4%, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60% para o rácio da dívida, seria necessário que o orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3%. Em 2014, prevê-se que será de 0,3% do PIB". Ou seja, e como recordava Pedro Santos Guerreiro no Expresso, teríamos de "ter em cada um dos próximos vinte anos o que não tivemos num único dos últimos quarenta".
Nós, portugueses, sabemos que há milagres. Pode acontecer que através dum grande consenso entre os partidos do arco da governação as coisas possam melhorar. E quais serão as bases do consenso?
Pois claro, a reafirmação das políticas que foram seguidas neste últimos três anos. O primeiro consenso, aliás, pode começar por ser o anunciado pelo primeiro-ministro, esta semana, no Parlamento: os cortes e as descidas de salários passam a definitivos. O segundo consenso será o pré-anúncio de mais cortes nas pensões e descidas salariais provisórios (talvez já em Abril), que daqui a um ano passam a definitivos. O terceiro, pode ser o de termos impostos ainda mais altos. O quarto, limitar ainda mais o acesso a prestações sociais. O quinto, acabar com a saúde e a educação públicas. Com esta consensualização toda, o crescimento económico virá a toda a brida. Tira-se o que resta de dinheiro à economia, com os fantásticos resultados conhecidos, e tratamos de exportar tudo e mais alguma coisa. Talvez mesmo as pessoas que ainda cá estão. Vão gozar com o outro. Um consenso para deitar fogo é bom? Como é que se pode obter um consenso com um primeiro-ministro que diz que as outras partes têm de aceitar a realidade como ela é? Sabendo que é ele que define o que é ou não real. E que por acaso é, quase sempre, uma gigantesca fantasia que diz que todas as nossas desgraças têm causas nacionais. Ou com um líder da oposição que tem posições que desdizem em absoluto o tratado orçamental que assinou? Pois claro, programa cautelar, saída à irlandesa. Seguro contra todos os riscos, contra terceiros (os malfadados mercados e as suas pulsões especulativas). Muito importante podermos arranjar dinheiro a bom preço e sem sobressaltos. Mas será que ainda há alguém que consiga dizer sem rir às gargalhadas que a nossa dívida é pagável, nas condições existentes, e que é possível crescer economicamente com os encargos que ela nos impõe? O mercado vai-nos emprestar dinheiro a taxas simpáticas - Cavaco, no dito prefácio, diz-nos indiretamente que terá de ser abaixo, muito abaixo de 4%. E o resto, e o que está para trás? Sim senhor, ficaremos a coberto dum segundo resgate. Não morreremos de ataque de coração fulminante, ficaremos ligados à máquina até que a eletricidade acabe.
Andamos para aqui com jogos florais, com amuos no Parlamento, com fitas nas escadarias da Assembleia, com patéticos relógios, com programas eleitorais decorados com cães pintalgados, a fingir que discutimos o futuro da comunidade, e não saímos do labirinto.
O Minotauro cada vez mais próximo e nós a sermos convencidos de que a sensação que temos no pescoço não é o bafo do monstro, mas sim uma brisa de bonança. Cavaco Silva tem razão: correu mal.
Cavaco Silva volta a ter razão: é preciso consenso. Mas não se pode dizer, como de facto se diz, que correu mal e se quer consenso para continuar a implementar a mesma política. Além de que essa política impõe que os erros até agora cometidos se aprofundem mais e mais e se repitam indefinidamente até que não haja país para os praticar.
É inexplicável a sensação de todos sabermos que estamos a caminhar para o precipício, e continuamos, como se o suicídio fosse a única alternativa. Mas pior é dizerem- -nos que temos de ir todos de mãos dadas como se isso fosse o nosso destino. Não é. Não pode ser." (Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)


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