"1 Antes da chegada da troika era quase impossível despedir um trabalhador em Portugal. Em contrapartida, os despedimentos coletivos sempre foram relativamente fáceis. Pode dizer-se, com objetividade, que um tempo houve em que a empresa estava claramente em desvantagem perante os seus colaboradores. Os direitos do trabalho, fruto do ambiente legislativo pós-25 de abril de 1974, reinavam sobre as necessidades, e também os direitos, do capital. Os sindicalistas, obviamente, nunca reconheceram este evidente desequilíbrio, enquanto dele beneficiaram, mas pode dizer-se que implicitamente o fizeram quando do último acordo entre o Governo e a Concertação Social relativamente às leis laborais, de que só a CGTP ficou de fora.
Esse foi um bom acordo para a competitividade.
Os sindicatos (da UGT) abriram mão de regalias leoninas e as entidades patronais também não pediram mais do que é justo que tenham para poder gerir com eficiência as suas empresas. Assim se eliminou a bonificação de três dias de férias, o despedimento se tornou mais simples, as compensações por esse mesmo despedimento baixaram, as faltas injustificadas passaram a ser penalizadas quando coincidis- sem com pontes ou feriados, o valor do trabalho suplementar foi reduzido para metade e alguns feriados foram eliminados. Criou-se ainda o banco de horas e o simulador para o cálculo das indemnizações por despedimento não deixava margem para dúvidas em caso de conflito.
Quando se chegou ao despedimento ilícito, ficou definido que, nesses casos, a indemnização corresponderia a um montante entre 15 a 45 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, completo ou não, recebendo o trabalhador no mínimo três meses. O trabalhador poderia sempre, no final de uma disputa judicial, preferir a reintegração na empresa em detrimento da indemnização, mas teria direito aos salários que deixara de receber desde o despedimento até à sentença final.
2 Esta semana, na sequência da carta de intenções enviada ao FMI depois das duas últimas avaliações, percebeu-se que o Governo quer voltar a mexer no regime de compensações para o despedimento ilícito, mesmo que um secretário de Estado tenha vindo a relativizar o tema e a salientar que o principal objetivo será o de desbloquear a contratação coletiva.
Espero que este tema (do despedimento ilícito) seja, apenas, um fator de pressão negocial, embora de mau gosto, perante os sindicatos (que obviamente o rejeitaram liminarmente), as associações patronais (que, com inteligência, desvalorizaram o tema) e a oposição partidária (que de forma unânime condenou a intenção governamental).
As questões relativas ao despedimento ilícito são um reduto em que, no caso dos partidos, se testa a respetiva sensibilidade social.
O Governo bem pode achar que deve desincentivar os trabalhadores de recorrer aos tribunais para impugnar os respetivos despedimentos e garantir os seus direitos - indo ao encontro do mercado de trabalho que a troika gostaria de instalar em Portugal. Mas o que se sabe desta intenção só tem um nome: chantagem!
3 Um partido que se reclama ser social-democrata, como o PSD repetidamente proclamou no congresso de há 15 dias, deveria ter vergonha desta proposta. A necessidade não explica tudo. Quando Pedro Passos Coelho garante que a desvalorização dos ordenados terminou e que agora a batalha se fará do lado da competitividade, deve reconhecer que esta intenção é uma chantagem sobre o mundo do trabalho e sobre as pessoas que ganham ordenados baixos. É uma vergonha social, irrelevante para quem ganha bem e saiba lidar com os seus direitos, mas ao mesmo tempo angustiante para quem não possa arcar com as responsabilidades inerentes a uma prolongada luta judicial ao mesmo tempo que tem de garantir a sua subsistência e a da família.
O Governo ainda está tempo de arrepiar caminho nesta intenção e certificar que a palavra social não é, apenas, uma representação que se agenda para um congresso. É uma convicção. Uma escolha de modelo de sociedade. E que, nesta, não quer abrir caminho ao avanço da selva. Mas, neste preciso momento, todas as dúvidas são legítimas.
Durão Barroso, na reta final dos dez anos de presidência da Comissão Europeia, diz que sempre defendeu os interesses de Portugal. Não tenho qualquer dúvida disso. Só ainda não percebi é se Durão Barroso quer, ou não, afrontar as más sondagens e ser candidato a Belém. Mas, por declarações como esta, nesta altura, parece-me que gostaria..."
(João Marcelino - Diário de Notícias)
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