domingo, 2 de março de 2014

A alma gémea

-
"O Congresso do PSD da semana passada não teve propriamente muitas novidades. Convenhamos, também não se esperavam grandes proclamações ideológicas, nem reflexões de elevado quilate programático, a três meses de eleições.
Já toda a gente sabia que Paulo Rangel seria o cabeça de lista às europeias pelos, de novo autointitulados, sociais-democratas, e as mudanças na Comissão Política e noutros órgãos não são assunto que entusiasme mesmo o mais picuinhas analista político.
Apareceu Marcelo Rebelo de Sousa, que fez questão de se rir na cara de Passos Coelho, como quem diz: "Podes-me chamar cata-vento e tudo o que tu quiseres, mas não tens outro remédio senão apoiar a minha candidatura à presidência." Assim se encerra definitivamente o dossier candidato do centro-direita, para desgosto dos barrosistas e dos assessores políticos mais próximos de Passos Coelho que adorariam criar uma espécie de Sarah Pallin à portuguesa.
E, claro, o regresso de Miguel Relvas à política. Imagino que para quem teve tanto trabalho a tornar minimamente interessante um congresso sem assunto, a dar-lhe dinâmica e a tentar criar factos políticos, será duro perceber que o grande tema do evento foi o regresso de Relvas. Mas foi. As más notícias batem sempre as boas, já se sabe.
Há quem tenha dito, com alguma piada, que Passos Coelho está tão preocupado com uma eventual derrota, ou vitória demasiado curta, de António José Seguro, nas eleições europeias, que trouxe Miguel Relvas de novo para a política. De facto, o antigo ministro é, para todos os portugueses e para grande maioria dos congressistas do PSD presentes no Coliseu - como se percebeu pela votação na lista que ele liderava -, o símbolo de algo que ninguém quer na vida política. Ao contrário do que o primeiro-ministro possa pensar, ninguém se esqueceu das mentiras ao Parlamento, do patético processo da licenciatura, da inexistência dum pensamento político minimamente elaborado, dos truques, da RTP, da TAP, dos ditos por não ditos, dos negócios mal explicados. Francisco Assis talvez não o faça, mas nada melhor para que Paulo Rangel perca votos do que recordar amiúde que Miguel Relvas o está a ajudar na campanha.
Agora parece que, afinal, estávamos todos enganados. Miguel Relvas encabeçou a lista, patrocinada por Passos Coelho, ao Conselho Nacional do PSD, principal órgão do partido entre congressos, mas não está de regresso à política. Foi o próprio ex-ministro que o afirmou, na última sexta-feira, ao semanário Sol.
A pergunta impõe--se: se Miguel Relvas vai para primeira figura dum órgão político mas não vai fazer política, vai para lá fazer o quê?
Há um lado quase ingénuo nas declarações do ex-político mas principal figura dum órgão político, atual consultor de empresas mas sem que se saiba que tipo de consultoria faz. Sim, obrigado pela lembrança, nós sabemos que há muita gente que está na política para tudo menos para fazer política. Homens e mulheres para quem a política é uma maneira de arranjar contactos, oportunidades de negócio, empregos. Até para vender consultoria, às tantas.
Infelizmente há demasiadas pessoas - duas já seriam demais - na política que se lhes perguntassem se estão na atividade política, e elas respondessem honestamente, responderiam que não. Estão lá por outras razões que não a luta pelo melhor para a comunidade. É esta gente que suja o nome daqueles que estão na política porque acreditam num ideal, numa ideologia, que acham que através da sua ação estão a contribuir para o bem comum. São estes a maioria, estou convicto. São também estes que não merecem ser confundidos com gente que corrói a democracia, com os chamados facilitadores de negócios, com quem utiliza a política para interesses pessoais ou de pequenos grupos, para negociatas em que a comunidade sai sempre a perder.
Não há democracia que não tenha de se confrontar com este tipo de problemas. A nossa não seria exceção. O que mais perturba, porém, é ter um primeiro-ministro que tem como principal aliado, como alma gémea, como compagnon de route, alguém que está na política para fazer outra coisa qualquer que não política." (Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)

Sem comentários: