"1 Quando um tribunal político, como o Constitucional (TC), decide por unanimidade não fica qualquer margem para o jogo partidário. O corte das pensões acima dos 600 euros dos antigos funcionários públicos é inconstitucional, ponto! - porque viola o princípio básico da confiança (dos cidadãos no Estado) e, até, da proporcionalidade.Declarações como as de Braga de Macedo, sobre o carácter marxista na Constituição e de como ela obsta aos esforços patrióticos do Governo, são apenas delírios que ficam mal num professor e num homem com a sua experiência, mesmo que com o objetivo compreensível de defender um amigo (Passos Coelho) num momento sensível.Esta extraordinária unanimidade do TC teve vários méritos, um dos quais, pouco realçado, é o de fazer perceber no estrangeiro, entre governos e credores, que não estamos perante uma sociedade bloqueada por "leis comunistas". Dá-se apenas a circunstância de termos no poder uma coligação pouco sensata, que escolhe com demasiada frequência caminhos impossíveis à luz dos direitos dos cidadãos. E que em prol de objetivos importantes, sim senhor, como a sustentabilidade do sistema de pensões, julga que pode subverter a qualidade de vida das pessoas e passar por cima da lei.
2 Os argumentos dos 13 juízes são uma enorme lição, que o Governo, acabado de sair de uma reprimenda do Tribunal de Contas sobre a ineficácia do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC), devia saber ouvir com humildade democrática.Surpreendentemente, o TC abriu a porta a poder mexer nas pensões se, em vez de estarmos perante "medidas abruptas e parcelares", estivéssemos a falar de "reformas sustentáveis e duradouras" norteadas pela necessidade do "interesse público da sustentabilidade" do sistema de pensões. O que, no fundo, o TC nos diz - e já toda a gente o entendeu - é que o Governo quer sempre mais do que aquilo que estuda e anda há mais de dois anos a perder tempo em áreas essenciais. Conduz os destinos do País com a lógica do automobilista que, saindo de casa atrasado, afogueado, entende que a lei que impõe limite à velocidade, em nome da segurança de todos, e até dele próprio, é tão sem sentido como a existência das autoridades que a policiam. E é por isso que em Portugal continua a faltar o acordo político para matérias em que ele é absolutamente fundamental para poder haver uma reforma do Estado digna desse nome.
3 É o Governo português que gera instabilidade nos mercados e impede uma melhor performance dos juros das obrigações da dívida pública nacional quando força apreciações de diplomas grosseiros como este ou quando gera crises como a "irrevogável" do passado verão. Esses prolongados momentos de tensão não têm tido como responsáveis os políticos da oposição, os sindicatos ou até, como no singular entendimento de Mario Draghi, estimulado sabe-se lá por quem, os tribunais.Passos Coelho comete um erro crasso quando dá azo internacional a este tipo de discurso. Deveria, pelo contrário, ter desde sempre utilizado o Constitucional, e as suas competências, como um argumento para ter tido mais compreensão para o grave problema da consolidação orçamental. Ao fazer do Tribunal Constitucional um inimigo público das boas contas em Portugal, o Governo de Passos Coelho comete uma injustiça e tem prestado um mau serviço ao País e ao seu próprio trabalho. Como é que não percebe esta evidência?"(João Marcelino - Diário de Notícias)
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