"1 Confesso que a proposta me deixou surpreendido: Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas, defende que os levantamentos bancários relativos às contas através das quais os portugueses recebem os salários e pensões deveriam ser sujeitos a impostos no sentido de estimular as poupanças, e em consequência a atividade económica. Esta ideia foi exposta aos deputados do PSD, durante as jornadas parlamentares realizadas há pouco menos de 15 dias, em Viseu, e confesso que fiquei à espera de mais elementos que me permitissem entender melhor o seu alcance.
Não veio mais nenhuma explicação.
Ainda assim, percebeu-se na altura que Teodora Cardoso não advoga a acumulação deste improvável futuro imposto com aqueles que já existem. Não! A intenção seria, no pós-troika, e no sentido de estimular ainda mais a poupança (que já tem crescido durante a crise, note-se), substituir a taxação que incide sobre os rendimentos auferidos (e também oriundos do capital) por essa nova fórmula que apenas afetaria o dinheiro que cada um de nós estivesse disposto a levantar para gastar oriundo dessas contas. No fundo, acabar-se-ia com o IRS (e o IVA?) para dar origem a uma lógica nova.
Penso que seria isto.
Mas nem assim consigo deixar de pensar na proposta como qualquer coisa de extraordinário.
2 Bem sei que a conjuntura, e a necessidade de financiar o investimento, convoca o aparecimento de soluções inovadoras e que precisamente esta estará a ser discutida em Inglaterra.
No entanto, apesar da consistência técnica de Teodora Cardoso, não entendo como esta proposta se articularia com duas dimensões imediatas: primeiro, a tentação de toda a gente para logo procurar receber em dinheiro, abrindo-se outro canal para incentivar a fuga aos impostos; e segundo, talvez mais importante, como é que, abrindo-se uma nova forma de fluxo do dinheiro, evitando os bancos (que também sofreriam com a medida), estaríamos em condições de assegurar o controlo do crime que já hoje vai sempre à frente daquilo que são as capacidades das máquinas judicial e de supervisão bancária.
Restaria, ainda, a questão das liberdades individuais - mas para isso seria preciso que Teodora Cardoso nos dissesse um pouco mais, e não disse. Com toda a franqueza, a coisa pareceu-me um exercício, pouco conseguido, de dizer uma coisa nova e pouco consolidada. Se se tratasse de um político, diria que teríamos estado na presença de um sound byte, estudado para captar a atenção da imprensa, e através dela o País. Mas creio que até isso falhou. A coisa resultou tão estranha, até ridícula, que não mereceu grande atenção. Praticamente morreu ali. E, assim como apareceu, a ideia extinguiu-se, sem qualquer insistência da autora ou sinal de aprovação de quem quer que fosse no principal partido do Governo. Para problemas - dir-se-á - o PSD já tem que chegue.
3 Este parece-me um caso relevante de deficiente avaliação política daquilo que se diz publicamente. Alguém com as responsabilidades, o perfil, a importância social e a reconhecida qualidade técnica de Teodora Cardoso não deve atirar à sociedade, na qual detém um lugar relevante, uma proposta destas, num fórum partidário muito restrito e sem que ela estivesse devidamente maturada.
Infelizmente, no entanto, Portugal parece ser muitas vezes um País esquizofrénico, no qual a responsabilidade pública parece valer tanto quanto um post nas redes sociais. Nestas, apetece e escreve-se; e na outra pensa-se e logo se diz.
O problema está em que, na vida pública, hoje, à semelhança do que acontece nas redes sociais, os estados de espírito nunca mais se apagam. Ficam. E quando não são mensagens esclarecidas passam a ser fragilidades eternas. Teodora Cardoso vai ter de arcar com esta. Que, para já, é apenas uma ideia ridícula.
Os cortes nos salários e pensões, que de início eram para ser temporários, ameaçaram ser definitivos. Ontem, em sede do debate quinzenal, passaram a ser "duradouros". A fórmula é esta: Temporários+Duradouros= Definitivos. E está certo!"
(João Marcelino - Diário de Notícias)
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