quarta-feira, 20 de novembro de 2013

São todos cúmplices

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A ideia de professores "avaliarem" o trabalho dos seus colegas é, no fundo, colocar uns contra outros e criar uma situação de beligerância, com ressentimentos irreparáveis. Quando do 25 de Abril, a estratégia foi ensaiada, e os "saneamentos" entre trabalhadores obedeciam a uma rede de interesses, nem sempre facilmente descortináveis. Registaram-se episódios malditos, que laceraram o princípio sagrado segundo o qual "trabalhadores não saneiam trabalhadores." No Diário Popular, onde trabalhava, esse princípio foi respeitado. Creio, mesmo, que no sector da imprensa se tornou caso único. E convém adiantar que nenhum de nós possuía a experiência da liberdade, embora alguns de nós passassem pela disciplina da luta contra o fascismo. Guardo, de todos eles, gratas e calorosas recordações; e até dos atritos, das quezílias, ocasionalmente azedas até ao limite, conservo a memória de uma época reservada à nossa própria construção. Muitos, dos desse tempo, ficaram meus amigos para sempre. Fomos envelhecendo a olhar para os trajectos de uns e de outros, salva- guardados pelas batidas dos nossos corações. E permaneceu o conceito fundamental de que o "saneamento" entre quem trabalha é uma aberração a combater.
É claro que cometemos outras injustiças, enredadas nos impulsos dos momentos, nunca, porém, creio, moralmente reprováveis ou premeditadas. Foi assim. As grandes solidariedades nascem dos grandes encontros, das afeições e das correspondências culturais, que são sempre ideológicas, mas podem não ser políticas. Avaliávamo-nos, por vezes de forma agreste, mas estávamos no olho do vulcão, e as coisas nunca são serenas quando somos passageiros na nau. Essa prática moldou-nos, de uma forma ou de outra.
Como num filme, muitas cenas e episódios desenvolvem-se-me nas reminiscências, e avultaram mais acesas, com esta "avaliação" de professores imposta pelo Crato, criatura cada vez mais exposta à nossa execração. E quem o avalia a ele, e a todo o Governo? Dirá, o lampeiro, que as urnas são a melhor das "avaliações." Não são. Aliás, como se tem visto e sofrido. Que sabemos desta gente, e que sabe esta gente de nós? Somos colocados perante factos consumados, e temos de aceitar as escolhas a que procede o nomeado primeiro-ministro. Dirão: é o sistema a funcionar. Direi: o sistema funciona mal. Pessoalmente, bem gostaria de submeter estes que tais a uma vulgar sabatina cultural. Não vejo este e aquele do Governo muito interessados em História, em Geografia, em Português, em Gramática, em Literatura, em Artes. Manifesta-se, em todos eles, aquelas "incongruências problemáticas" que deram fama e glória a Pedro Lomba. Não me interessa nomear todos aqueles que demonstram uma acentuada propensão para o patricídio. Interessa-me, sim, afirmar que são cúmplices de uma das maiores desventuras da nossa história como colectividade e como nação.
(Baptista Bastos - Diário de Notícias)

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