sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Inimigo público n.º 1

-
A 1 de setembro, Passos Coelho, que já a meio de agosto, no Pontal, falara de "riscos constitucionais que poderão fazer-nos andar para trás", aconselha "bom senso" aos juízes do Tribunal Constitucional - é a reação ao chumbo da "requalificação" da função pública. 13 dias depois, o correspondente da Associated Press garante que "desde que chegou ao poder há dois anos o Governo não ganhou uma única discussão económica com os juízes do TC, que têm impossibilitado os seus planos para fazer reformas e poupar dinheiro". A 8 de outubro "um alto responsável do Eurogrupo" chama-lhes "ativistas". A 18, um relatório da representação da Comissão Europeia em Lisboa levanta dúvidas sobre "a imparcialidade política do TC", advertindo: "Qualquer ativismo político desta instituição pode ter graves consequências para o País." A 24, o Financial Times, num texto titulado "TC ameaça resgate de Portugal", cita um analista que atesta ser o tribunal "visto pelos mercados como quase comunista". No mesmo dia, o conselheiro de Estado Vítor Bento publica um artigo de opinião em que, além de lamentar o recurso ao TC "pela oposição política", diz que os juízes estão a transformar Portugal "numa aldeia gaulesa".
A 6 de novembro, Durão Barroso, na presença de Passos, torce as mãos: "Nunca a CE e eu próprio criticámos o TC." Para logo aduzir: "Mas se considerar inconstitucionais as principais medidas do OE 2014, Portugal terá de substituir essas medidas por outras medidas provavelmente mais gravosas." A 13, é a vez do FMI, que no relatório sobre a 8.ª e 9.ª avaliações fala de (surpresa!) "risco constitucional" e "decisões adversas", referindo o TC umas trinta vezes. A 21, de novo a CE: a inviabilização pelo TC de medidas do OE2014 "implicará um aumento dos riscos ao crescimento e ao emprego, reduzindo as perspetivas para um regresso sustentado aos mercados financeiros".
Vá lá que ao fim de três meses de tão avisados conselhos o tribunal deixou passar a lei das 40 horas obrigatórias (embora dizendo que não têm de ser obrigatórias, mas pronto), permitindo até que um jornal titulasse: "TC validou 82% da austeridade". Mas uma coisa as instituições que sabem o que é melhor para nós estão a esquecer: os juízes só julgam pedidos. E quem é que anda por aí a repetir que quer "consensos" mas vai por trás e zás, boicota o trabalho do Governo? Quem é que solicitou ao TC a fiscalização de três normas do OE2013 (duas foram chumbadas), do diploma da requalificação (chumbado) e, no sábado, da chamada "convergência das pensões"?
Se os juízes são irredutíveis gauleses, ativistas políticos quase comunistas e sem senso, que dizer de quem queria ainda mais chumbos, e que quando toda a gente cai em cima do TC finge que não é nada com ele? Só pode ser um radical perigoso - ainda por cima sonso. É preciso denunciá-lo, atacá-lo, quiçá interná-lo. Alguém no Financial Times há-de conhecer alguém que garanta que os mercados o acham pírulas.(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)

Sem comentários: