terça-feira, 14 de outubro de 2014

Um governo no fim

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"O sábado passado foi um dia muito difícil para o governo, tanto para o primeiro-ministro, Passos Coelho, como para o seu vice, Paulo Portas. Passaram o dia e uma parte da noite, até às três da manhã de domingo, com os ministros de parte a parte, ao que parece, a discutir o Orçamento do Estado para 2015, a questão dos impostos e porventura o futuro próximo.
Todos os portugueses, com um mínimo de conhecimento, sabem que este governo está no fim e completamente paralisado há meses. Nada funciona. E o primeiro-ministro - que é quem manda -, embora obediente à troika e à austeridade, cada dia diz uma coisa e o seu contrário.
Os ministros, os que lhe são fiéis, obedecem, mas os que dependem de Paulo Portas fazem o que podem para lhe fugir. Trata-se de uma coligação que não se entende e cujos líderes se hostilizam...
A verdade é que toda a gente sabe que o governo destruiu completamente Portugal, vendeu aos estrangeiros - e principalmente aos chineses - tudo quanto quiseram e ninguém sabe para onde foi o dinheiro.
O governo não respeita a Constituição da República, destruiu o Estado social, não ouve os sindicatos.
A maioria dos seus ministros só faz o que não deve, como a ministra da Justiça, que ultrapassando o memorando da troika fechou tribunais e tem vindo a desconsiderar juízes e advogados.
Do mesmo modo, o ministro da Educação, que ignora o que é ser professor e os desconsidera como aos alunos e às suas mães e pais.
O ministro da Defesa, que desconsidera em permanência as Forças Armadas, faz o mesmo.
O próprio ministro da Saúde também destruiu o Serviço Nacional de Saúde, por falta de médicos, enfermeiros e medicamentos. E a ministra da Agricultura e do Mar, sempre tão calada, ignora o que deve fazer. Para só falar de alguns ministros...
Portugal hoje é um país destruído. E sofre do que se passa na União Europeia. É certo que neste momento os antigos dirigentes responsáveis estão a terminar as suas funções. E serão substituídos por outros que espero venham a ser bem melhores. A austeridade tem de ser banida de todos os Estados. A Alemanha da senhora Merkel entrou num período de estagnação e de decadência. O que afeta a União Europeia se não mudar de rumo, como julgo que está a acontecer.
A maior parte dos grandes cientistas foi obrigada a emigrar, bem como intelectuais, escritores e artistas. Até os jovens mais dotados têm ido para outros países. A maior parte do Interior português está a ficar despovoada e desertificada. E o Litoral, embora mais povoado, tem gente que vive com muita pobreza. Como é natural, a maior parte das lojas, de toda a natureza, estão a fechar. E a classe média a desaparecer.
As manifestações contra este governo repetem-se com frequência. Muito poucas pessoas, mesmo as mais ricas, já o não podem ver. Por isso, este governo está no fim, bem como os seus líderes. E se houvesse bom senso deviam deixar Portugal, quanto antes, para que não venham a ser presos e julgados.
É certo que Passos Coelho tem um protetor que sempre lhe tem valido: o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Mas não seria útil para o próprio Presidente, que está quase no fim do seu mandato, provocar eleições quanto antes? Sendo certo que o Governo as vai perder estrondosamente?
P.S.: Permitam-me que registe a conversa com que me honrou o ilustre jornalista americano David Andelman, ex-presidente do Overseas Press Club e atual editor do World Policy Journal of America. Veio a Portugal, como me disse, porque queria falar comigo sobre a crise que atingiu Portugal e a Europa. Foi uma longa conversa que me fez refletir e me deu muito conhecimento e prazer.
P.S. 2: Faleceu subitamente em Milão (Itália) o jornalista da SIC Fernando de Sousa. Conheci-o bem e tornámo-nos amigos quando fui deputado em Bruxelas e Estrasburgo. Nunca deixávamos de conversar e aprendi muito com ele. Morreu novo e em paz."
(Mário Soares - Diário de Notícias)

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